Mea Culpa (2011)
“Mea Culpa” é o filme brasileiro que deveria, junto com tantos outros batalhadores, sem incentivo, representar a real cara de nosso cinema, aquele que não nasceu em “berço de ouro”.
Ah, o clamor ensurdecedor da justiça. A supremacia daqueles que batalham, tendo nada recebido de forma fácil. O maior prêmio, aquele que não se coloca em nenhuma estante, a consciência do dever cumprido. Este é o caminho tortuoso daqueles que vencem pelo genuíno talento, ainda que ultrapassem obstáculos diários em uma sociedade que não prioriza a arte.
Como fiquei orgulhoso ao testemunhar a massa humana que lotava o Cine Cândido Mendes, no último dia 21 de Maio (2013), para a exibição do filme “Mea Culpa”, do cineasta Julio Lellis. Muitos nem puderam entrar na sessão, outros se acotovelavam no chão da sala de exibição. Nenhuma outra produção no “Festival Brasil de Cinema Internacional” chamou tanto público (tanto é que as fotos utilizadas na divulgação do sucesso do evento foram retiradas da noite de exibição do filme a que me refiro), causou tamanha comoção prévia e posterior.
Mérito da equipe da “Sinos Filmes”, do excelente roteiro de André Damin, da bela fotografia de Pedro Maia, do elenco dedicado (Lucia Paiva, Mariana Terra, Silvia Stutz, Daniel Del Sarto, Elke Maravilha, Cristina Prochaska, entre outros), do figurino de Renata Kanitz, de uma trilha sonora inteligente (de Breno Pessurno) e uma direção que consegue trabalhar com a sensibilidade necessária o difícil tema abordado.
Baseado em uma história real, a trama inicia quando a matriarca de uma família sofre um pequeno acidente que a faz relembrar um grande trauma que mudou a sua vida e de suas filhas. Ela recorre então a uma jovem psicóloga, que acaba envolvida de forma singular na história. Sem estragar a experiência, posso afirmar que a discussão que a obra suscita após o poderoso desfecho, reverbera profundo em muitas de nossas verdades absolutas. O quanto perdemos de nós, quando evitamos enxergar o óbvio? Existe redenção, mesmo após o mais abrasivo crime cometido? Estamos preparados para perdoar, inclusive a nós mesmos?
O roteiro tem potencial emocional, mas acerta ao evitar a pieguice ou o melodrama manipulativo. Até mesmo a utilização do flashback, que é um arriscado campo minado, foi inserido de forma a evoluir a narrativa (não explicá-la, como usualmente é feito). Uma poesia dura (excelente inclusão de frases da Nélida Piñon, estabelecendo o tom de cada ato), que envolve o espectador nos primeiros dois atos, surpreendendo-o em seu desfecho.
A trilha sonora utilizando inserções do leitmotiv (canção infantil “Nesta Rua”) nos momentos certos, sem nunca buscar emoções fáceis. E, sendo coerente ao aspecto minimalista do enfoque da trama, uma duração objetiva, trabalhando o roteiro sem desnecessárias extensões, sem “barrigas”.
A produção foi feita sem nenhum patrocínio, não será indicada pela protagonista da novela, mas é melhor que todos as últimas produções da “Globo Filmes” de mãos dadas. O cinéfilo brasileiro precisa conhecer este filme (e tantos outros ótimos, que também não recebem a justa atenção), para valorizar a batalha daqueles artistas que não se rendem às limitações de uma nação culturalmente medíocre, que ao invés de lhes estender a mão e protegê-los, ignora-os. Bravo!
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