Críticas

“Bravura Indômita” (2010), de Joel e Ethan Coen

Bravura Indômita (True Grit – 2010)

Eu devo ter lido a obra original do escritor Charles Portis (publicado aqui com o título: “Olho por Olho”) pela primeira vez aos nove anos. Fazia parte da coleção da minha mãe, assim como quase todos que iniciaram minha paixão pelos livros. Eu li mais umas duas vezes desde aquela época, sendo a última na semana de estreia da refilmagem dirigida pelos Irmãos Coen.

Foi ótimo constatar que ele não apenas continuava muito bom, como também me presenteou com camadas de subtexto que ignorei quando criança. Nunca gostei muito da adaptação com John Wayne, pois não chegava nem perto de emular a profundidade dos sentimentos envolvidos na relação entre a corajosa menina e o guerreiro experiente.

Até mesmo a atuação do protagonista, na clássica cena em que investe sozinho contra os inimigos, causava-me constrangimento. Inusitado ver Wayne, um símbolo dos valores norte-americanos, partir para a ignorância verbal, mas se analisarmos a cena com atenção, veremos que é (como todo o filme) bastante fraca. Imperdoável a forma como destruíram o excelente desfecho do livro em prol de um confortável final feliz.

Quando soube que a refilmagem seria fiel ao livro, sorri de orelha a orelha. E Jeff Bridges acentua cada pequeno trejeito, traduzindo perfeitamente o Rooster Cogburn imaginado por Portis. Um homem de passado misterioso, envolto em lendas sobre a grande quantidade de homens que eliminou, mas que sutilmente esconde carência emocional. Frio, ambicioso, cruel e sem nenhum respeito pela vida humana, alguém a ser temido. A questão é que ele não sabia lidar com a única pessoa que não demonstrava temor algum em sua presença: a menina Mattie Ross (Hailee Steinfeld).

A beleza da trama reside exatamente na progressiva transformação interna de Rooster, cada vez mais admirando a impetuosidade inconsequente daquela que aprende que deve proteger. Ele tentou afastá-la de todas as formas, mas acabou encontrando na bravura dela a sua última chance de redenção. Bridges trabalha esta dualidade com excelência, deixando transparecer sutilmente o carinho que passa a sentir por aquela que o desafiava.

O conflito não consiste na caçada por Tom Chaney (Josh Brolin), mas no desesperado desejo de Rooster em se mostrar vivo perante aquela que depositou confiança em sua competência. Ele sabe que está fora de forma, extremamente cansado e que provavelmente ninguém no futuro lembrará seu nome, mas mesmo assim encara o perigo.

A bravura do velho pistoleiro gravaria um legado eterno no caráter da jovem, que aprende que o sabor da vingança é amargo, uma cicatriz que se carrega pelo resto da vida.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

View Comments

  • Filme excelente, com elenco idem, de uma época em que Hollywood não mais aposta em westerns.
    Realmente, muito superior à versão "clássica", com o "Duke".

  • Octávio, faça sua análise de três verdadeiros clássicos do western:
    No Tempo das Diligências
    O Homem Que Matou o Fascínora
    Dança Com Lobos

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