Críticas

“Monstros”, de Tod Browning

Monstros (Freaks – 1932)

O meu primeiro contato com o filme foi por acidente. Eu estava passando por uma fase na minha vida de pré-adolescente em que minha grande ambição era “atravessar a noite” e manter-me acordado até o primeiro raio de sol adentrar a janela do meu quarto.

Toda criança deve se identificar com este momento mágico, quando tentamos ingenuamente desvendar o mistério da madrugada, horário tão proibido pelos pais, sempre querendo nos fazer dormir cedo. Eu me recordo de haver tentado inúmeras vezes, sempre nos fins de semana, pois não precisava levantar cedo para ir à escola, sem sucesso. Tomava café e até chegava ao cúmulo de ficar caminhando dentro do quarto, procurando fugir do chamado insistente de Morfeu, sempre tão persuasivo.

A companhia da TV era constante, eu ficava procurando naqueles poucos canais em que havia programação, muito antes das TVs a cabo e internet, algum atrativo que me mantivesse acordado. A primeira noite que consegui o feito foi graças a “Monstros”, que passou na Bandeirantes, se não me falha a memória.

O filme estava legendado, o que já me causou estranheza, e logo a primeira cena que vi foi uma em que um grupo de pessoas com deformidades físicas conversavam despreocupadamente. Na hora percebi que havia algo de muito errado naquele contexto, já que não pareciam atores com maquiagem.

Eu agi como qualquer criança impressionável na mesma situação (madrugada, luz baixa e um silêncio espectral): Fiquei apavorado! O clima opressivo e o preto e branco soturno pouco ajudavam. Um anão, um homem sem os braços e as pernas, microcefálicos e uma gêmea siamesa, todos reais, entre outros que eu evitava até olhar. Provavelmente causando em mim o mesmo impacto que os circos itinerantes causavam nas crianças de outrora.

Corajoso, decidi que iria manter meu objetivo e aguentaria até o fim. Ocorreu então um dos sentimentos mais lindos dos quais me recordo no período. Após o choque inicial, passei a simpatizar com aqueles personagens. A mão não mais tapava os olhos, mas sim, aumentava o volume da televisão, sem o auxílio do controle remoto.

A trama é curta e muito simples, expondo uma bela crítica: os homens que no circo são considerados “aberrações” possuem genuíno amor e afeto para com seus amigos. Puros e ingênuos, carentes e generosos. Já os galãs e beldades consomem-se na ganância e são capazes de humilhar seus irmãos.

O conceito simplista do diretor Tod Browning, de “Drácula”, é simbolizado com maestria em uma angustiante cena ao redor de uma mesa, onde a “bela” trapezista Cleópatra (Olga Baclanova) rejeita compartilhar a bebida de seus colegas circenses, inclusive do rico e iludido anão Hans (Harry Earles), com quem quer se casar apenas para pegar sua herança e fugir com seu amado Hércules (Henry Victor).

A estratégica vingança dos seus amigos é uma das sequências mais impressionantes no gênero. Não ouso contar, viva a experiência! A realidade mostrada não encontra ressonância nos dias de hoje. Circos como o mostrado na obra não existem mais, o pensamento da sociedade modificou positivamente. Nunca será realizado outro projeto semelhante, com a mesma coragem e liberdade.

Quanto a mim, não consegui dormir após o término da sessão. Eu fiquei tão impressionado que carregaria aquelas imagens na mente por muitos anos, até o momento em que as revisitei na adolescência, já em DVD. A manhã chegou e, com ela, a reclamação de meus pais, que não se conformavam com a minha madrugada insone. Mas o que aprendi naquela noite fez valer qualquer complicação em casa.

“Monstros” foi o único filme que modificou de gênero enquanto o assistia, do intenso terror ao drama mais comovente. Inesquecível!

  • Você encontra o filme com facilidade garimpando na internet.
Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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