Imaginem a cena: “Por volta do meio-dia e com o sol a pino, você caminha distraidamente na calçada de uma rua no centro da cidade, esforçando-se para não esbarrar em ninguém. Você escuta um barulho de tiro, seguido por gritos desesperados e percebe que a loja à sua frente acaba de ser assaltada. Os bandidos correm trocando tiros com os seguranças do estabelecimento, que se ferem mortalmente e desabam no asfalto quente. ”O cenário é típico de um filme de terror, existe sangue em profusão, gritos desesperados, perigo e morte.
Imaginem agora esta cena que se passa exatamente no mesmo local: “por volta da meia-noite e banhado pela fulgurante luz da lua cheia, você caminha solitário na calçada de uma rua no centro da cidade. Você anseia encontrar alguém em quem esbarrar, torce para escutar qualquer barulho que o remeta a algum senso de humanidade. Um som estranho atrai a atenção para uma loja à sua frente. Será que ela estaria sendo assaltada? A escuridão impede que veja com clareza, porém você consegue discernir uma figura alta, que parece o aguardar de pé e imóvel a alguns metros de distância.
Temeroso, você diminui a velocidade de seu caminhar, esperando que tal ação levasse a estranha figura a continuar seu caminho, seja lá para onde estivesse seguindo. Dois metros adiante e você percebe que ela continua imóvel, como se o aguardasse para um duelo no velho oeste. O medo gela sua alma enquanto a estranha figura dá um passo em sua direção…”. Não existe sangue ou gritos desesperados, nenhum perigo real (a figura pode ser qualquer pessoa, até mesmo um idoso querendo atravessar a rua), muito menos morte. Existe apenas o medo.
O grande problema que acomete as modernas produções do gênero é a incompetência em saber estabelecer o clima de medo. Substituem a inteligência nos roteiros pelas acrobacias técnicas, transformando tudo em um “trem fantasma” cheio de efeitos especiais, porém que não apavora ninguém. Criam somente sustos, tão eficientemente quanto aquele seu tio desastrado, que sempre escorrega em uma casca de banana ou pisa no rabo do gato. Seu corpo reage fisicamente ao susto, porém substitui-o logo por uma bela gargalhada.
O medo genuíno é aquele que habita em seu pensamento durante o filme e após, levando-o a (mesmo adulto) checar se não tem ninguém estranho na sua sala de estar, antes de apagar a luz e ir dormir.
O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre – 1974)
Todo mundo em algum momento de sua vida dedica-se ao cinema de horror. Normalmente na adolescência, pois suas dúvidas existenciais típicas da idade os levam a querer desafiar a morte, a finitude. Nesta época começam a querer alugar (hoje em dia, baixar) aqueles filmes escabrosos que mostram cenas reais, com narrações soturnas e uma trilha sonora composta basicamente por heavy metal (nunca entendi bem a relação entre este estilo musical e o horror, já que acredito que o maior medo derive do contraste, não da reafirmação).
Eu também passei por esta fase e cheguei a me tornar um especialista no gênero antes dos quinze anos. A maturidade foi naturalmente minimizando minha exposição aos filmes de terror, porém o fascínio nunca se dissipou. Hoje sou muito mais criterioso, porém lembro-me de sair correndo da escola e passar na locadora de vídeo que havia na rua em frente, somente para admirar as capas dos VHSs. Quanto mais grotesco parecia ser, melhor. “O Massacre da Serra Elétrica” foi um dos primeiros que aluguei.
O diretor Tobe Hooper não tinha a verba necessária para usufruir de variadas opções técnicas, portanto se ateve ao básico. O que me leva a crer, até hoje, que a maior vilã do cinema de horror é a verba. Sem ela, os cineastas dão asas à imaginação e elaboram criativas (e realistas) possibilidades. A verba expõe o “monstro”, enquanto a falta dela leva-o a esconder-se e ficar à espreita, o que é incrivelmente mais eficiente. Leatherface (Gunnar Hansen) aparece após quase quarenta minutos de suspense muito bem construído, em uma cena rápida que define perfeitamente a essência do medo.
Antes de vermos a primeira morte, já estamos desconfortáveis, devido a uma edição que tende a deixar tudo mais esquisito do que parece ser. Não escutamos heavy metal, mas, sim, o silêncio. Naquela época, não existiam Jason, Freddy ou Michael Myers (da série “Halloween”), apenas uma ideia criativa na mente de um jovem (baseando-se nos assassinatos cometidos por Ed Gein, que também haviam inspirado “Psicose”), que de forma independente financiou sua aventura e entrou para a história do gênero.
O elemento que mais me surpreende na obra é que ela não ficou datada. Revendo-a hoje, peguei-me quase roendo as unhas (como o menino de quinze anos atrás), terrivelmente desconfortável e aliviado quando terminou. Sinto ao rever este filme, uma sensação que não consigo sentir em nenhuma obra do gênero feita nos últimos anos. Marilyn Burns (Sally) realmente parecia uma jovem comum, em viagem com os amigos, vítima indefesa de uma gangue de loucos (que também pareciam realmente loucos). Atualmente, as “heroínas” deste gênero parecem atrizes (ruins) fingindo serem jovens comuns, entre uma ida e outra aos seus trailers, para retocarem a perfeita maquiagem e memorizarem a próxima página do roteiro.
A brutalidade alcançada por Hooper foi poucas vezes equiparada e nunca superada. Não foi preciso mostrar a jornada de um projétil (pelo “ponto de vista” do próprio) através de uma cabeça humana, como fizeram na refilmagem de 2003, para apavorar o público. Este tipo de artifício bobo utilizado por cineastas incompetentes, que não se mostram aptos a lidarem inteligentemente com os aspectos mais simples do roteiro, mas que vibram como crianças ao inserirem estas invencionices tolas. Leatherface passou por um banho de loja que o despiu de toda a organicidade que lhe auxiliava na caracterização (mesmo erro foi cometido nas refilmagens de “A Hora do Pesadelo” e “Sexta-Feira 13”).
Infelizmente, a maioria dos jovens de hoje não procuram conhecer a obra de 1974, satisfazendo-se com a mediocridade da refilmagem. Sendo coerente ao objetivo principal desta minha seção, recomendo que deem uma chance ao original. Apaguem as luzes e deixem as gargalhadas que sempre acompanham as sessões de terror moderno, para os ótimos filmes de comédia… Sintam medo.
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