Bergman esculpia o tempo, utilizando-o de forma precisa. Os seus filmes, em sua grande maioria, não chegavam aos 90 minutos. Em “Fanny e Alexander” (Fanny och Alexander – 1982), sendo um incontestável gênio criativo e com a possibilidade de não ser sucinto, ele não se rendeu à tentação de imprimir seu nome em cada fotograma.
Escolheu o caminho de um cineasta iniciante, permeando cada ato com incrível simplicidade. Mesmo não tendo sido meu primeiro contato com a obra, a versão longa (312 minutos) feita para a televisão sueca, acabou se tornando a minha favorita, pois nela podemos desfrutar de mais tempo ao lado daqueles maravilhosos personagens.
No épico mais intimista já filmado, são abordados temas como o propósito da arte, a (comum em sua filmografia) crítica à religião organizada e a exaltação dos laços familiares, vidas que fluem e, por vezes, se chocam.
Na maior parte do tempo, vemos o que a mente do pequeno Alexander (Bertil Guve) consegue decodificar, imerso em acontecimentos muito maiores que sua criatividade pode mensurar.
O primeiro ato nos faz sentir nostalgia de cerimônias familiares que nunca presenciamos (que ilusionista fantástico que era o Bergman!), enquanto a família Ekdahl prepara sua luxuosa festa de Natal em 1907. Nenhuma cena foi filmada sem um propósito, já que todas servem para revelar novas facetas de personalidade e comportamento de cada distinto convidado.
A fotografia de Sven Nykvist abraça estes momentos com uma paleta de cores quentes, vibrantes. Percebam com atenção, como a cor vermelha é utilizada durante todo o filme como um símbolo de conforto e segurança, inclusive nos objetos de cena.
Gustav (Jarl Kulle), Oscar (Allan Edwall) e Carl (Börje Ahlstedt), três irmãos bastante distintos. O caricatural Gustav, carismático e romanticamente irrepreensível. No extremo oposto, afogando suas frustrações no álcool, Carl, um praticante da desprezível autocomiseração. Oscar é um exemplo de equilíbrio emocional e devoção profissional, apaixonado pela arte e por sua família, que no segundo ato será vítima da cruel mortalidade.
Algo que seria visto como uma bênção para homens como Carl, mas terrível para alguém que se agarra à vida, como um ator que se recusa à reverência final. E não é coincidência que o triste fim ocorra em um ensaio de “Hamlet”, pois Bergman desenha o príncipe na figura do pequeno Alexander, que será constantemente visitado pelo fantasma de seu pai e ainda suportará o infortúnio de ver sua mãe, Emilie (Ewa Froling), casar-se novamente com um crápula religioso.
A entrada do Bispo Edvard Vergérus (excelente interpretação de Jan Malmsjö, inspirado no pai do cineasta, um rígido ministro Luterano), um personagem que eu considero um dos maiores vilões da História do cinema, representa uma mudança completa no tom do projeto.
A fotografia de Nykvist substitui o calor já estabelecido, com uma paleta fria e sem vida (percebam como Emilie passa a se vestir somente de branco, para retornar ao vermelho somente no final). Edvard elimina o que restava de Oscar no coração de Emilie, carregando junto o amor pelo teatro (ainda que retorne ao final).
A insegura mulher acredita que encontrará na religiosidade austera uma verdade que apazigue sua mente perturbada pela perda. O homem, defensor de hipócritas dogmas, pune severamente a rebeldia de Alexander, que se mostra incapaz de ver em silêncio o fim da liberdade, elemento essencial em sua família, que sempre respirou arte.
Tendo sido criado por um pai como Oscar, que transformava com o poder da palavra, uma simples cadeira de madeira em protagonista de um fantástico conto de fadas (numa linda cena logo no início do filme), era inadmissível para o garoto aceitar o jugo de um homem sem nenhuma criatividade, que acreditava poder incutir respeito com o sangue vertido por uma vara.
E é fascinante a forma como, exatamente no momento em que o jovem se encontra novamente seguro, ele se volta inconscientemente para o mundo da fantasia, do teatro (na casa de Isak Jacobi, vivido por Erland Josephson) de marionetes.
Mas será que após todos os acontecimentos, Alexander continuará a mesma criança brincalhona e inocente? O seu breve (porém importante) encontro com o andrógino Ismael (vivida por Stina Ekblad) é normalmente pouco abordado, mas revela muito sobre o questionamento anterior. Neste lúdico momento, a criança se torna um homem.
Envolto nos braços daquele ser, ambos unem forças e declaram em voz alta o fim de seus temores e a derrocada do opressor. Mas estará ele livre de verdade?
Bergman conseguia entreter mesmo enquanto abordava os temas mais complexos (algo que muitos diretores pretensiosos são incapazes de fazer), alcançando com este filme-testamento (mesmo não sendo seu último) o seu melhor ponto de equilíbrio.
Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…
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