O Verdadeiro James Bond… Fleming, Ian Fleming
A vida de Ian Lancaster Fleming é tão fascinante, que irá render mais uma cinebiografia (ao que tudo indica, ele será vivido pelo ator James McAvoy). Ele nasceu na Londres de 1908, tendo começado sua vida adulta trabalhando como jornalista em Moscou e corretor na bolsa de valores londrina.
O estouro da Segunda Guerra Mundial viria a delinear seu futuro. Fleming tornou-se um agente secreto britânico ao ajudar a criar uma operação (intitulada “Goldeneye”, que viria a ser o nome de sua casa na Jamaica e do filme que resgatou a série na década de 90) com o intuito de desinformar os alemães, implantando informações em documentos secretos. Com o fim da guerra, ele realizou um sonho antigo e começou a escrever um livro sobre suas tentativas frustradas em jogos de azar no período em que ficou em Portugal durante a guerra.
Na realidade, ele, que estava se preparando para viver uma vida de casado, encontrava naquele personagem que estava criando uma versão de si mesmo, livre e aventureiro. O livro foi lançado em 1953 com o título: Cassino Royale. Seu protagonista teve inspiração em sua própria vivência como agente e em Dusko Popov, um agente-duplo sérvio que ele havia conhecido em um cassino em Estoril. Popov era famoso por sua vida boêmia e por estar sempre acompanhado de belas mulheres.
Em sua primeira missão literária, o espião James Bond ainda está dando seus primeiros passos na organização, tendo feito por merecer recentemente o seu cargo como duplo-zero, concedendo-lhe a licença para eliminar seus inimigos. Famoso entre seus superiores por ser um exímio jogador de Baccarat, acaba sendo enviado à Montenegro para enfrentar Le Chiffre, um tesoureiro de perigosos comunistas. O árduo embate será travado numa mesa de jogo no Cassino Royale.
Em 1954, Fleming escreveu seu segundo livro: Live and Let Die (Os outros que se danem / Viva e Deixe Morrer), em que Bond enfrenta o criminoso Mr. Big, o rei do Harlem, gueto negro de Nova York. Já mais desenvolto em sua segunda incursão, o agente encara práticas de Vodu e misticismo enquanto tenta salvar uma bela cartomante do controle possessivo de seu mestre.
Neste livro, já se encontra o ritmo frenético característico das obras futuras do autor. Destaque para a sequência no mar com tubarões, que foi utilizada posteriormente no filme “007 – Somente para Seus Olhos”. Em 1955 e 1956, respectivamente, o escritor criou: Moonraker (O Foguete da Morte) e Diamonds are Forever (Os Diamantes são Eternos), ambos bem intencionados, mas fracos em suas execuções. Enquanto no primeiro carece suspense, no segundo ele é tão explorado que desorienta o leitor em seu terceiro ato.
A obra-prima de Fleming apareceu em 1957, com a aventura intitulada: From Russia with Love (Espionagem: A Rússia põe o Amor a seu Serviço/ Moscou contra 007), dividida em duas partes, sendo os primeiros 11 capítulos focados apenas no criminoso Red Grant e na organização criminosa SMERSH. Com um final bastante ousado, com uma insinuação de falecimento para o herói, o escritor garantiu seu posto como um dos mais influentes daquela década. Seu sucesso era tão grande que, em 1961, o então presidente dos Estados Unidos John Kennedy revelou que “From Russia with Love” era um de seus livros favoritos.
O acontecimento foi o estopim para um súbito interesse da indústria cinematográfica.
O INICIO DA CARREIRA DO AGENTE NO CINEMA
007 Contra o Satânico Dr. No (Dr. No, 1962)
A dupla de produtores Albert R. Broccoli e Harry Saltzman captaram a essência das obras de Ian Fleming e inseriram toques geniais, como o “cano da arma” no início de cada filme, a sequência inicial tensa que leva a um final em suspense, seguido por um magistral título colorido e povoado de belas silhuetas femininas, conceito criado por Maurice Binder.
Outros toques importantes são a bebida favorita do agente, sua Vodka-Martini “shaked but not stirred” e acima de tudo sua famosa apresentação: “Bond… James Bond”. Elementos que de forma espontânea entraram no imaginário coletivo do público, tornando-se referências pop até hoje repetidas por pessoas de todas as idades.
Para o protagonista, muito a contragosto dos executivos da United Artists, contrataram um jovem escocês motorista de caminhão chamado Thomas Sean Connery. Ele exalava certa arrogância que combinava perfeitamente com o personagem. Acredito sinceramente que, sem a contribuição deste ator, não haveria uma franquia tão lucrativa até hoje. Seu sarcasmo em cena, o charme que ele imprimiu no personagem foi tão marcante que, mesmo após várias encarnações, muitos ainda o consideram o melhor intérprete do agente secreto.
Para viver Honey Ryder, jovem ingênua e valente que cruza o caminho do agente, foi chamada uma suíça filha de diplomata e que procurava sua grande chance após participar de filmes pequenos e inexpressivos. Ursula Andress entrou para a história ao sair do mar em um ousado, para a época, biquíni branco, munida de um cinturão de couro onde carregava uma faca de caça. Estava iniciada a era das Bond Girls, que com o passar dos anos tornou-se um posto cada vez mais desejado por jovens atrizes.
Para o papel do vilão Dr. No, convocaram Joseph Wiseman, que foi bastante elogiado pela excentricidade e ar exótico que incutiu ao personagem, uma moldura para todos os futuros vilões da franquia.
O roteiro seguia de perto a trama do livro homônimo de 1958, com poucas mudanças significativas. Enviado à Jamaica, 007 investiga o desaparecimento misterioso de John Strangways, um membro do serviço secreto. As pistas levam-no à ilha de Crab Key, onde um inescrupuloso cientista utiliza-se da inocência e ignorância do povo, que foge de medo ao ver seus “dragões” pilotados, para poder utilizá-los como escravos. O espião contará com a ajuda do agente da CIA Felix Leiter (Jack Lord) e de um nativo barqueiro.
A direção ficou a cargo de Terence Young, um cineasta britânico que imprimiu elegância em cada cena, sendo o elemento no qual Connery se inspirou para criar vários maneirismos de James Bond. Young conseguiu pegar um roteiro simples e transpô-lo visualmente de forma mítica. Ele dirigiu mais dois filmes da série (From Russia with Love, 1963 / Thunderball, 1964) e pode ser considerado elemento fundamental no sucesso da franquia.
Grande parte deste sucesso deve-se também à excelente música-tema, criada por Monty Norman. O “James Bond Theme” figura na lista dos mais famosos temas instrumentais que a Sétima Arte já legou ao mundo, tendo criado uma tendência que até hoje é utilizada quando se fala em composições harmônicas para filmes de espionagem. Ela combina um divertido senso de perigo e elegância, que acompanha os passos confiantes de Connery em sua chegada triunfal ao aeroporto da Jamaica, cristalizando eternamente a imagem do herói no inconsciente coletivo dos fãs.
Entre as cenas inesquecíveis do filme, o embate entre o agente e uma tarântula venenosa que o acorda no meio da noite é um ponto alto. O mais interessante é notar a forma artesanal com que o personagem trabalha nesta primeira aventura, como quando utiliza um fio de cabelo preso com saliva no vão entre duas portas, para descobrir se alguém vasculha seu quarto enquanto ele está fora. Obviamente, ao retornar, descobre que o fio já não está mais lá.
O sucesso desta produção modesta, orçamento abaixo de um milhão de dólares, garantiu mais verba ao próximo capítulo da saga de 007 no cinema.
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