Críticas

“Com 007, Viva e Deixe Morrer”, de Guy Hamilton, no TELECINE

Com 007, Viva e Deixe Morrer (Live and Let Die, 1973)

Filmes direcionados prioritariamente ao público negro, os chamados “Blaxploitation”, como “Shaft”, e grupos revolucionários como os Panteras Negras, davam o tom no início dos anos 70. Não haveria nada mais corajoso para um projeto britânico desta época que utilizar-se de vilões negros, mas o roteirista Tom Mankiewicz aceitou o risco e transpôs com relativa fidelidade para as telas o segundo livro de Ian Fleming: “Live and Let Die”.

A equipe de produção sabia que iria precisar de muito esforço para fazer o público se esquecer da ausência de Sean Connery e acostumar-se com um novo rosto para o espião, vide a fraca recepção dada ao esforçado George Lazenby. As apostas estavam a favor do ator Burt Reynolds, mas os produtores encontraram em Roger Moore o tipo certo de personalidade que a franquia queria adotar naquele momento socialmente turbulento.

O ator londrino já havia sido cotado para estrelar o primeiro filme, mas seu contrato com a série de televisão: “O Santo” o fez refutar da decisão. Diferente de Connery, Moore divertia-se muito interpretando o agente secreto (inclusive afirmando em entrevistas seu pouco interesse em levá-lo a sério, como quando perguntado sobre sua abordagem ou se havia lido os livros, ele sempre brincava com o fato de simplesmente aparecer no set de filmagem e interpretar ele próprio), fazendo questão de participar de outros projetos em papéis que satirizassem ou prestassem homenagens ao personagem, como em “Quem não Corre, Voa” (The Cannonball Run).

Moore não fugia da estigmatização, mas sim, tirava proveito de sua sorte. O roteirista aproveitou-se da persona bem-humorada do ator, criando várias cenas cômicas para o filme, sequências que não iriam se encaixar na forma de atuar de Connery.

Mankiewicz queria ter escolhido uma atriz negra para o papel da Bond Girl cartomante Solitaire, mas os produtores preferiram seguir o conceito do livro original e decidiram-se pela bailarina e atriz inglesa Jane Seymour. Para o papel do vilão Kananga/Mr. Big foi escolhido o ator americano Yaphet Kotto. Para o papel do capanga Tee Hee escolheram o atorJulius W. Harris. O personagem ficou famoso por portar um braço de aço no lugar de seu original, que havia sido devorado por crocodilos.

Completando o exótico trio de vilões, o misterioso Barão Samedi, praticante de Vodu, foi interpretado por Geoffrey Holder, escolhido por suas habilidades como bailarino e por sua altura (dois metros e vinte), fator que deu um toque sobrenatural inegável ao seu personagem. Foi a partir deste filme que os produtores escolheram utilizar somente o título e alguns personagens dos livros de Ian Fleming, atendo-se por vezes apenas ao tema central ou menos que isto. Uma decisão arriscada, mas que obteve êxito.

A trama inicia-se com a eliminação de três agentes do MI6 em solo americano, todos com uma coisa em comum, estavam vigiando o político Dr. Kananga, chefe de uma ilha das Caraíbas, San Monique. O que haveria por trás destes crimes? Com a ajuda de seu amigo do FBI: Felix Leiter (vivido desta vez por David Hedison), James Bond visita o restaurante “Fillet of Soul” no centro do Harlem, cujo proprietário é o gângster recluso e enigmático chamado Mr. Big, envolvido em um ardiloso plano envolvendo a construção de um império sustentado pela distribuição de psicotrópicos. Solitaire, uma cartomante e sacerdotisa pura que recebe ordens diretas de seu patrocinador: Kananga, irá obviamente se apaixonar pelo espião.

Como o compositor John Barry não estava disponível na época, foi chamado o “quinto Beatle” George Martin, que trouxe influências do Rock e da música jamaicana para a trilha. Paul McCartney interpretou a canção-título e a alçou ao segundo lugar no top da Billboard. “Live and Let Die” também foi indicada ao Oscar de melhor tema musical, mas perdeu para o trabalho de Marvin Hamlisch em “Nosso Amor de Ontem” (The Way we Were).

Dentre as várias cenas marcantes do filme, vale destacar a inconsequente perseguição de lanchas sobre a Baía da Louisiana, a eletrizante fuga de Bond e Solitaire em um ônibus de dois andares e a tensa sequência em que o agente se vê em uma pequena ilha cercada de crocodilos famintos por todos os lados.

O diretor Guy Hamilton conseguiu o impensável: deu ao mundo um novo 007, totalmente diferente do interpretado por Connery e Lazenby, em um filme criativo e corajoso. Roger Moore ofereceu ao público um agente mais humano e bem-humorado, cativando um enorme número de fãs no mundo todo.

O caminho estava pavimentado para a década mais divertida da franquia.

Octavio Caruso

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