Artigo

Sábio Silêncio (uma viagem no tempo aos primórdios do cinema) – Parte 4

Seguindo o importante conselho daquele estranho senhor (leia a parte 2), eu passo uma madrugada inteira buscando organizar meus próximos passos nessa incomum e fascinante viagem. Quais épocas visitar? Quais eventos testemunhar? Bastou relembrar-me de minha infância para descobrir que precisava encontrar os cinco grandes gênios do humor mudo: Charles Chaplin, Buster Keaton, Stan Laurel, Oliver Hardy e Harold Lloyd. Mas como
começar? Após algumas horas de intenso brainstorming, cheguei a dois nomes: Mack
Sennett e Hal Roach. Após meu amigo Méliès mostrar que o cinematógrafo poderia fantasiar a vida, aquela ferramenta que servia apenas para documentar o mundano, tornou-se uma fábrica de sonhos.

***

Uma greve de artistas do cenário teatral no início da década de 1900 propiciou o surgimento do interesse dos donos de salas de teatro, por aquelas relativamente baratas “imagens em movimento”, uma “brincadeira” que ninguém acreditava que iria durar. Em 1906 na Austrália, era exibido o primeiro longa-metragem (uma hora): “The Story of the Kelly Gang”, que abordava Ned Kelly, o símbolo da resistência australiana. A produção rendeu uma fortuna e provou aos descrentes o valor daquela “brincadeira”.

Dois anos depois era criada a “Motion Pictures Patents Company” (MPPC), responsável por administrar e distribuir os filmes, visando levar esta diversão também para as classes mais
abastadas da sociedade, o cinema era direcionado para a classe trabalhadora. Logo depois, foi a vez da França investir pesado nesta arte, criando a “Société du Film d’Art”, que objetivava a produção de obras mais refinadas, para atender melhor os ricos e poderosos. Durante a primeira metade da segunda década do século vinte, empresários e artistas do vaudeville americano empolgados com o potencial financeiro desta ferramenta, iniciaram então uma extensa produção de despretensiosas comédias, que iriam abastecer a nascente
indústria e proporcionar o nascimento dos primeiros grandes estúdios. Enquanto isto na Europa, os temas dos filmes, normalmente de até quinze minutos, ficavam cada vez mais densos, com preferência pelo drama. Este panorama explica perfeitamente a progressão das duas indústrias, americana e europeia, durante as décadas, culminando no que vemos hoje.

O público mergulhava na mágica daquela experiência, ficando cada vez mais interessado por aqueles artistas que vivenciavam aquelas aventuras. Diferente dos atores de teatro, que ao final de cada espetáculo poderiam ser vistos tirando a maquiagem ou as barbas falsas, quebrando a ilusão, o público inocente da época quedava-se admirado por aqueles “seres” que sumiam após o fade out. Com o tempo, os primeiros estúdios começaram a notar o potencial que havia nessa “indústria de ídolos”, alimentando assim a mentalidade criativa do público com boatos sobre a vida pessoal daqueles artistas, normalmente falsos, o que surpreendentemente continua sendo feito hoje, com o auxílio de uma tecnologia melhor. Caso o nome da atriz fosse comum, bastava trocá-lo por algo suntuoso ou exótico, que era garantia de sucesso.

***

Sennett e Roach eram os maiores, e mais populares, produtores da época, logo, eu teria alguma chance de encontrar meus ídolos utilizando-os como “ponte”. O ano estabelecido para o primeiro contato foi 1920. Eu iria tentar participar como figurante no curta “An Eastern Westerner”, dirigido por Hal Roach e estrelado por Harold Lloyd, que havia
sofrido poucos meses antes um grave acidente com um explosivo em cena, que decepou dois dedos de sua mão direita, levando-o a utilizar uma luva prostética bastante aparente ao longo de sua carreira. Eu aproveitaria esse incidente para aproximar-me dele, assim como o fato dele ser um proeminente membro da maçonaria. Eu enfrentaria mais uma vez a inversão do tempo, o que me levou a temer por minha vida.

Decidido a utilizar bem meu tempo, aproveitei as horas que me restavam até o encontro com o passado, para iniciar as anotações de um diário. Nele, inseri tudo o que já havia ocorrido desde meu desembarque na cidade francesa de La Ciotat (leia a introdução), com riqueza de detalhes. Após finalizar o trabalho, percebi que a hora se aproximava e preparei-me para a viagem. Desfrutei então de um relaxante banho que me trouxe equilíbrio e eu estava pronto para desafiar as leis da probabilidade novamente.

Continua…

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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