Griffith aguardou sua face retornar à cor normal, para gargalhar de meu quase desfalecimento em sua frente. Eu lentamente procurava disfarçar o pavor sentido minutos antes, enquanto levava ao rosto meu lenço azul-escuro e secava a água que meu corpo expulsava, provavelmente de raiva por minha desastrada atitude. O diretor, que aparentava estar alcoolizado, falou em tom jocoso:
– Rapaz, eu irei me encontrar com Charlie amanhã, pois precisamos assinar alguns papéis. A Mary falou que você é um admirador dele, quer me acompanhar até lá? – a primeira coisa que pensei foi na sagacidade daquela mulher.
– Claro, Sr. Griffith, será uma honra.
– Então temos um encontro amanhã por volta do meio-dia, aqui neste mesmo lugar. Meu motorista irá levá-lo até o nosso encontro no escritório. Agora tenho que lhe avisar de algo muito importante: o Charlie não aprecia de forma alguma os tons frios: verde, azul, entende? Para causar uma boa impressão, vá vestido de vermelho. Compreendeu? – Eu afirmei com segurança enquanto apertava a mão dele, que me deixou e seguiu em direção ao outro lado do salão.
***
Eu não conseguia acreditar na minha sorte, iria encontrar Charles Chaplin no escritório da “United Artists” (estúdio que havia sido fundado no ano anterior, por D.W. Griffith, Charles Chaplin, Mary Pickford e Douglas Fairbanks). Na realidade acabei descobrindo que o tal escritório não era exatamente como imaginava. As reuniões entre os membros do estúdio eram realizadas normalmente na “Pickfair”, luxuosa residência (cinquenta e seis acres) de Douglas Fairbanks e Mary Pickford na Califórnia. Ser convidado para a mansão do casal era um certificado vitalício de aceitação social em Hollywood. Os acontecimentos não estavam seguindo meu plano, que consistia em iniciar como figurante em uma produção de Harold Lloyd, fazendo-me perceber mais uma vez que a vida segue seu curso e a providência trabalha de forma misteriosa.
***
No dia seguinte eu aguardava na frente do Lincoln Theatre, calçando um sapato vinho com paletó e calça no melhor tom de vermelho que consegui encontrar. O automóvel estacionou à minha frente no horário marcado e eu me senti aliviado por ser comandado por um motorista silencioso, pois conseguiria deixar minha mente trabalhando enquanto admirava a paisagem. Ao descobrir o destino, eu me lembrei de todas as histórias contadas sobre
aquele mítico local, ponto de encontro de grandes personalidades como Albert Einstein, Franklin Roosevelt, Greta Garbo, H.G. Wells, Arthur Conan Doyle e tantos outros. Será que me convidariam para ficar e apreciar o jantar? Será que naquele dia haveria alguma festa? Será que aquele chamado não havia sido o inconsequente ato de um bêbado e nem deixariam eu entrar na residência? Todos os tipos de questionamentos passavam em minha mente enquanto o automóvel seguia seu caminho em um início de tarde ensolarado.
***
Havia chegado o momento, a porta do automóvel aberta e aguardando minha passagem. Griffith recepcionou-me com um largo sorriso, escondido na sombra que seu chapéu fornecia.
– Fez boa viagem? A Mary me falou bastante sobre você, inclusive que pretende iniciar uma companhia teatral. – Eu admirava cada vez mais a inteligência daquela mulher. Ela realmente manipulava com extrema perícia os homens. Não seria o tipo de pessoa que gostaria de ter como inimiga. Ela havia criado todo um enredo, que não somente facilitaria minha entrada na sociedade, como também me colocava em uma posição de destaque como empreendedor. Genial! Eu esperava ter a possibilidade de agradecê-la um dia.
– Fiz ótima viagem. Realmente estou com esta ideia fixa de investir no ramo artístico, teatro e cinema. Admiro o trabalho dos gênios desta arte, como você e Chaplin… – visivelmente incomodado com a minha rasgação de seda, o homem interrompeu meu tremendo improviso com um gesto de mão indicando uma quadra de tênis alguns metros adiante.
– Por falar no baixinho, parece que ainda está praticando tênis com Dougie. Venha comigo, irei apresentá-lo… – meus olhos afetados pela luz do sol lutavam para acreditar na imagem que se apresentava à minha frente: Charles Chaplin e Douglas Fairbanks disputavam animadamente uma partida de tênis, assistidos de perto por Mary Pickford, que parecia torcer contra seu marido, causando gargalhadas no eterno vagabundo.
Pausando a partida, Charlie veio na direção de Griffith com olhar zombeteiro, enquanto Fairbanks não conseguia conter o riso ao admirar aquele garoto e seu vermelho vibrante. Eu estava tão nervoso que sequer percebi que era alvo de uma brincadeira dos amigos. Charlie abraçou Griffith e, olhando de lado para mim, exclamou debochadamente:
– Querido professor, você não fez isto de novo. Deixe-me adivinhar: Chaplin adora vermelho, certo? – e virando-se para mim, com sua raquete branca servindo para coçar as costas, a história viva do cinema se apresentou sorridente:
– Por favor, perdoe meu amigo. Prazer em conhecê-lo. Charles Chaplin.
Continua…
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