Como Era Gostoso o Meu Francês (1971)
O cenário era o Brasil de 1954. Os índios estavam no fogo cruzado entre as potências europeias: franceses e portugueses, com diferentes tribos se aliando a diferentes grupos. Um retrato crítico que reverbera na nossa sociedade (fortemente na época do filme, no início da década de 70), formada por peões desorientados em um tabuleiro manipulado por interesses externos.
Nelson Pereira dos Santos demonstra sua competência ao encenar o momento em que uma tentativa de assassinato é relatada (em uma narração em off) como um suicídio, retratando com ironia o modus operandi manipulador da opinião pública no regime político que o Brasil vivia naquele momento.
O homem sobrevive, mas acaba nas mãos dos índios. Como não entendiam o linguajar do francês (vivido por Arduino Colasanti) capturado junto a alguns portugueses, acreditaram que ele também era português. Eles deram a ele uma esposa (Seboipepe, vivida por Ana Maria Magalhães) e o prazo de oito meses, para que enfim tivesse seus membros extirpados e servisse de alimento para a tribo. O seu pescoço havia sido reservado para a jovem. O canibalismo como uma honraria ofertada ao digno adversário, cuja bravura enriqueceria o valor nutritivo de sua carne, que seria incorporada àqueles que a ingerissem. O francês acaba por tentar se adaptar aos costumes da tribo (praticamente um “Dança com Lobos”, sem clichês narrativos e com sérias restrições orçamentárias), inclusive lutando ao lado de seus guerreiros, acreditando que conseguiria se safar da condenação.
A câmera de Dib Lutfi, caminhando com desenvoltura documental entre cada corpo nu, fazendo-nos crer se tratar, por vezes, de um trabalho antropológico. Vale destacar também a dedicação de Eduardo Imbassahy Filho(que vive Cunhambebe), um respeitado médico de Niterói, que foi convidado pelo diretor para participar do filme e estudou com afinco a cultura dos Tupinambás.
A ousada opção de ser falado em Tupi (com ajuda de Humberto Mauro) torna as cenas mais críveis, nos transportando diretamente a este passado pré-colonial. O uso inteligente da ironia (já na primeira sequência, onde o que é exposto na narração difere totalmente do que é apresentado nas imagens) e das inserções de breves escritos (do jesuíta José de Anchieta e do Mem de Sá, entre outros) entre algumas cenas (excelente em especial, o trecho que antecede o momento final, deixando claro que aqueles índios continuarão sendo utilizados como massa de manobra), ajuda a construir a alegoria proposta pelo cineasta.
Curioso perceber que o filme deixa subentendido que os índios percebem que seu prisioneiro não é português (o que se constata após a conversa com o mercador), mas fingem o contrário, não influenciando na decisão de devorá-lo ao final dos oito meses. Na realidade, tanto os franceses, quanto os portugueses, representam invasões coloniais não
desejadas pelos índios. A direção na batalha final, ainda que sofra de alguns problemas de ritmo (além de índios que morrem de susto, caindo bem longe das explosões e até antes delas), evidencia a estupidez de qualquer guerra, com os índios mostrando-se tão brutais quanto os europeus.
A polêmica na época se resumia à nudez completa de todos os índios, porém (por incrível que pareça) não existe nenhuma cena que sugira qualquer tipo de exploração neste sentido (como era comum nas pornochanchadas e um elemento corriqueiro no cinema nacional, em que alguns diretores parecem construir roteiros ao redor de cenas de nudez feminina, como adolescentes deitando no chão para verem a calcinha por baixo da saia das coleguinhas). Após sua primeira hora, passamos a nos sentir como em uma praia de nudistas, tamanha a naturalidade com que os atores trabalham as cenas.
A nudez existe com uma função, sendo tratada como algo comum (o que realmente era). E como era de se esperar da mente limitada dos que cerceavam a liberdade de expressão, focaram-se na nudez e deixaram passar as contundentes críticas que o roteiro espalhava sem nenhuma sutileza.
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