Críticas

Tesouros da Sétima Arte – “Fome”, de Henning Carlsen

Fome (Sult – 1966)

Dirigido por Henning Carlsen e adaptado brilhantemente da obra de Knut Hamsun, o longa dinamarquês fala sobre um escritor miserável e faminto que perambula pelas ruas de Kristiania (antiga Oslo) em 1890, tentando publicar um artigo (que ele considera sua obra prima) em um jornal local.

Desesperado após várias tentativas frustradas de conseguir emprego, luta para sobreviver em uma batalha para manter seu orgulho e contra as humilhações e a inanição, que lhe causa delírios constantes e mudanças de humor.

As suas tentativas de mostrar-se digno são pontos altos, como após penhorar seu casaco para conseguir dinheiro, percebe bem depois que esqueceu sua caneta no bolso dele, voltando no local e fazendo questão de explicar a um desinteressado dono que aquela caneta era especial para ele, pois havia sido com ela que ele escreveu sua tese de filosofia em três volumes.

A atuação premiada em Cannes de Per Oscarsson consegue transformar um personagem que tinha tudo para ser esquisito, em alguém por quem nos importamos. Conseguimos penetrar em seu mundo paranoico e frágil, entender suas motivações e torcer por ele. Cenas como a do sonho, onde ele disputa um osso com um cão raivoso ou quando, inventando situações, vai de porta em porta perguntando se precisam de seus serviços, são inesquecíveis em sua honestidade.

Após roer os restos de um osso, argumentando que havia pego para seu cachorro, vomita e chora desesperadamente, dizendo: “Mas será que não há nada que consigamos manter em nós?” Poucos minutos depois, com a esperança de um tolo, afirma para um policial na rua: “Daqui a cinco minutos serei um homem muito feliz.”

Enquanto muitos filmes mostram homens em situações críticas causadas pelo álcool ou drogas, nesta pequena obra prima, o sofrimento do protagonista nasce de seu rígido código moral, que o impede de agir da maneira mais racional.

Mesmo não tendo local para ficar, recusa o convite de um amigo que pergunta se ele teria aonde passar a noite. Mesmo sendo obrigado a tentar vender seus óculos, os botões de sua blusa e seu único casaco para tentar manter-se vivo, recusa ajuda de amigos, quase como se trilhasse conscientemente um Calvário pessoal, sem direito a redenção.

Não é um filme fácil de ser achado, mas a ideia é esta. Expandir conceitos e fazer nascer em cada um a altamente recompensadora vontade de descobrir estes tesouros escondidos da Sétima Arte.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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