Através de um Espelho (Såsom I En Spegel – 1961)
O primeiro projeto da hoje conhecida como “Trilogia do Silêncio” (que prefiro chamar de “Trilogia da Fé”), mostra Ingmar Bergman em seu estado mais objetivo, mas ainda assim flertando com metáforas.
Analisando os três filmes, podemos claramente perceber os questionamentos do cineasta com relação a uma divindade aparentemente muda (invisível em meio aos destroços da guerra), a natureza da fé trabalhada por um ateu.
O sueco nos apresenta sua visão de Deus metaforicamente como uma aranha (neste e no seguinte, que considero o melhor: “Luz de Inverno”), um artrópode que habita a mitologia humana como algo a ser temido. Nietzsche trabalha com a mesma linha de pensamento em seu livro: “Humano, Demasiado Humano” (excelente complemento ao filme),
acreditando que é responsabilidade de cada indivíduo o estabelecimento de sua própria compreensão religiosa.
Bergman fala através do personagem vivido por Gunnar Björnstrand, que em sua poderosa cena final explicita que o amor é a única prova tangível da presença divina, ou como o próprio cineasta afirmou: “uma pessoa envolta por amor é também envolta por Deus”.
A trama simples utiliza o microcosmo de uma família que passa férias em uma paradisíaca ilha. Karin (Harriet Andersson) acaba de voltar de uma estadia forçada em um hospital psiquiátrico, ainda apresentando sinais de profundo desequilíbrio emocional.
O seu marido (vivido por Max von Sydow), seu carente irmão mais novo (Lars Passgård) e seu pai, um homem tão imerso em sua ambição profissional literária (universo em que extravasa suas angústias, sem nunca ter coragem suficiente para resolvê-las), que foi incapaz de estabelecer uma relação de carinho com seus filhos.
Um toque de gênio é Bergman torná-lo “Deus” para seu próprio filho, que, admirado, percebe ao final que finalmente conseguiu vê-lo/senti-lo (não direi mais, inclusive sobre como a “aranha” é inserida no roteiro, para não prejudicar a experiência daqueles que não viram).
Após seu contato com a “aranha”, que a manipula e a frustra terrivelmente, a jovem esvazia seu copo de esperança. Bergman força esta reflexão em seu público, levando-o a ver que o conceito divino não se limita a um rígido padrão de ideias e condutas, facilmente manipulado pelas religiões mundanas com seus rituais.
Práticas que isolam/segregam o homem, ao invés de fazê-lo perceber-se como parte de um todo. Aquele que busca encontrar Deus não deve fazê-lo somente em templos, mas sim, no ato simples de sorrir para estranhos.
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