Críticas

Trilogia do Silêncio: “Luz de Inverno”, de Ingmar Bergman

Luz de Inverno (Nattvardsgästerna – 1963)

Os primeiros quinze minutos apresentam de forma lenta (com humor até) os rituais que são levados em prática durante uma missa católica. O homem que a conduz (Gunnar Björnstrand) não consegue esconder na autoridade de sua batina o profundo desequilíbrio emocional que está sentindo.

Tendo como testemunha silenciosa uma imagem de Jesus crucificado (propositalmente em uma versão imageticamente angustiante), seu corpo refaz mecanicamente os movimentos que memorizou nos anos de prática, seus lábios ditam sem emoção as palavras que compõem um roteiro apático, mas seu rosto deixa transparecer o questionamento essencial, porém trágico para alguém em sua posição: qual a razão para tudo isto?

O cansado pianista lê um livro enquanto não se faz requisitada sua presença na cerimônia. Cada pilar desta construção ideológica parece estar ruindo rapidamente.

Um pescador simples (vivido por Max von Sydow) busca seu líder espiritual procurando conforto, amedrontado pela possibilidade de um apocalipse (ele leu no jornal que a China possui armas nucleares), mas encontra apenas um fantoche vazio, preso em seu próprio estafante ritual, sem expectativa de redenção.

O pobre pescador intenciona acabar com sua vida, mas o padre (em uma conversa com ele) percebe que já se entregou à amargura e crenças que não o satisfazem.

O título em sua tradução correta evidencia a objetividade de Bergman: “Holy Communion” (Comunhão Sagrada), enquanto o desfecho demonstra sua ideologia. Como um ateu questionador, respeitava a necessidade daqueles que abdicam de uma existência de exploração, escolhendo o confortante hábito inerente aos rituais religiosos (o ateu não rejeita o conceito de Deus, apenas rejeita aqueles que lucram financeira ou politicamente, buscando intermediar uma relação que não necessita de templos ou oferendas).

O padre ao final continua realizando aquele ritual (com o auxílio do cansado pianista e do amável corcunda encarregado de acender as velas e tocar os sinos), mesmo não acreditando em uma palavra do que diz, enfrentando uma igreja vazia.

A sua motivação (retornando o tema do filme anterior) é disseminar o amor, pois “uma pessoa envolta por amor é também envolta por Deus”.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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