Artigo

A Guerra Espacial de George Lucas e sua relação com a obra de Joseph Campbell

Muitos questionam as mudanças que George Lucas opera em seus filmes ao transpô-los para novas mídias. Chamam-no de mercenário, porém esquecem que ele foi o criador da saga e tem o direito de realizar ajustes onde achar necessário.

Buscando referências cinematográficas nas obras de Kurosawa e utilizando seu conhecimento sobre o trabalho de Joseph Campbell (mais especificamente em seu livro “O Herói de Mil Faces”, escrito em 1949), o jovem californiano que rumava para ser um antropólogo, acabou se apaixonando pela arte do cinema e roteirizou, dirigiu e soube vender um produto que o mundo inteiro ama. Com seus filmes, ajudou à própria indústria americana de cinema, evoluindo as técnicas de efeitos especiais e som ao padrão que hoje conhecemos, criando a “Industrial Light and Magic” (ILM) e o “THX”.

Lucas vê “Star Wars” como um único filme. Esperou décadas até que os efeitos digitais se aprimorassem, realizando assim a trilogia que antecede os eventos mostrados em seus filmes originais. São seis episódios de puro escapismo, aventura e diversão. Estruturados como nas matinês heroicas dos cinemas de outrora e seguindo fielmente a jornada mítica descrita por Campbell, que consiste em cenas que rimam em diferentes episódios, redenção de um personagem trágico e os arquétipos de Jung (como o mestre sábio vivido por Alec Guiness, o arauto que pode ser tanto Darth Vader quanto a princesa Léia e o pícaro, o alívio cômico representado pelos robôs C3PO e R2-D2).

A jornada do herói (nas palavras de Campbell) simboliza exatamente o caminho seguido por Lucas no primeiro filme lançado, em 1977. Resumindo bastante, inicia mostrando o “mundo cotidiano” de nosso herói Luke Skywalker, sua vida desinteressante na fazenda de seus tios. Ocorre o “chamado para a aventura”, onde ele precisa decidir se irá aceitar enfrentar seu maior desafio ou se manter confortável em seu mundo comum.

Após aceitar acompanhar o mestre sábio Obi-Wan Kenobi e tentar resgatar a jovem princesa, ele conhece novos aliados, inimigos (Han Solo, Jabba the Hutt) e um mundo que se mostra muito maior e perigoso do que pensava. A “caverna oculta” (representada na mitologia como o mundo do desconhecido) é a fronteira que separa o herói de seu objetivo, como quando a nave Millenium Falcon é atraída para dentro da temida estação “Estrela da Morte”, onde Darth Vader os aguarda. Ao longo dos seis filmes, estas e outras “etapas” (32 ao total) são repetidas em diversos arcos de personagens. Recomendo que todos leiam as obras de Campbell, pois são fascinantes.

Muitos podem erroneamente tachar a criação de George Lucas como ingênua, boba, um conto de fadas para adultos, porém se trata de uma das mais criativas e inteligentes histórias de fantasia já criadas, pois se nutre profundamente de conceitos mitológicos, psicológicos e extensos estudos sobre a filosofia oriental. Para aqueles que possuem o conhecimento acerca deste embasamento, torna-se justo afirmar até que Lucas é um Homero moderno, pois utilizou a mídia do cinema para transmitir o legado universal (e atemporal) dos mitos a uma geração de jovens que desconhecem (em sua maioria) a existência dos arquétipos. Atos heroicos que vivem no inconsciente coletivo do mundo inteiro e que explodem na tela ao som da trilha fenomenal de John Williams.

“O Império Contra-Ataca”, indubitavelmente o episódio mais memorável da saga, também é aquele que mostra mais claramente sua ligação com a “jornada do herói”, de Joseph Campbell. Claramente aborda uma fase chamada de “A Iniciação”, que inclui entre seus vários tópicos:“O Caminho de Provas”, “A Sintonia com o Pai” e “A Apoteose e a Bênção”.

“O Caminho de Provas” (o momento no qual o herói deve sobreviver a uma sucessão de provas, auxiliado secretamente por conselhos, amuletos, agentes de um auxiliar sobrenatural ou por um poder benigno que o sustenta e que ele acaba de descobrir) se vê refletido em dois momentos distintos da trama: logo no início, quando Luke Skywalker (Mark Hammil) quase perece nas mãos do monstro Wampa (porém segue os conselhos de Obi-Wan Kenobi, que se manifesta sobrenaturalmente, conseguindo assim se livrar do perigo) e em seu encontro com Yoda no planeta Dagobah (quando o mestre Jedi o treina).

Já “A Sintonia com o Pai” (o herói vence a “figura-pai”, tornando-se senhor de si próprio) se reflete na cena em que Luke em meio a uma alucinação, duela com Darth Vader nas florestas de Dagobah, descobrindo ao final que a cabeça decapitada de seu nêmesis revela seu próprio rosto, constatando que seu verdadeiro inimigo está dentro de si. Mais próximo do final, novamente se vê refletida na batalha real entre pai e filho, que nos leva diretamente ao próximo tópico: “A Apoteose e a Bênção” (em que o personagem adquire a convicção da responsabilidade que todos depositam nele, dando-se conta de que é um “escolhido”), onde ele descobre por intermédio do pai, estar destinado a destruir o Império e trazer paz à galáxia. Luke em seu sacrifício final, após perder sua mão em duelo, confirma sua incorruptibilidade (por conseguinte, “A Bênção”).

O longo segmento que aborda o intensivo treino de Luke em Dagobah, reflete de forma perfeita uma das intenções mais nobres de George Lucas: despertar nos jovens algum senso de espiritualidade, não focada em um sistema religioso, mas uma crença em um poder superior. Yoda utiliza a “Força” para retirar a pesada nave de Skywalker de dentro do lodo. A trilha de John Williams salienta o aspecto espiritual do momento, como que nos fazendo perceber nos olhos do jovem, a surpresa por estar pela primeira vez acreditando
em algo “divino”.

Ele já havia ouvido falar e tentado usá-la, porém somente passa a entender esta força mística a partir deste treinamento com o velho mestre Jedi. Daquele momento em diante, Luke estaria preparado para enfrentar seu primeiro grande desafio: Darth Vader.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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