Críticas

“Gatinhas e Gatões”, de John Hughes, na NETFLIX

Gatinhas e Gatões (Sixteen Candles – 1984)

John Hughes já havia demonstrado sua competência como roteirista em “Férias Frustradas”, mas foi com seu primeiro trabalho na direção que ele realmente despontou para o mundo como o poeta da juventude. Se você quer entender o impacto e relevância de Hughes, basta analisar como eram os filmes feitos para os adolescentes nas décadas anteriores.

Há raras exceções, como “American Graffiti”, de George Lucas, mas normalmente os jovens eram mostrados como caricaturas ambulantes que serviam apenas para perecer nas mãos de malucos mascarados, ou como alívios cômicos, sempre representados por atores com o dobro da idade de seus personagens. Nenhuma atenção era dada aos seus anseios e angústias, nenhum sinal de simpatia genuína pelos jovens, sempre analisados pelo ponto de vista dos adultos.

“Gatinhas e Gatões” foi revolucionário em sua simplicidade, ousado em sua objetividade. Enquanto o público estava acostumado a ser incentivado pelos roteiros a rir das tolices cometidas pela garotada com ar de superioridade, Hughes se colocava ao lado dos jovens, fazendo com que gargalhássemos com eles, não deles. A identificação era imediata, fazendo-nos crer que não estávamos sozinhos nesse turbilhão de intensas emoções e insegurança chamado: adolescência.

Quando o filme passava na “Sessão da Tarde”, os garotos da escola não comentavam no dia seguinte. Este era um “filme de meninas”. Anos depois é que acabei vendo do início ao fim. Lembro que adorava o personagem do Anthony Michael Hall (The Geek), mas não conseguia me identificar com ele. A sua forma extrovertida de arriscar flertes com praticamente todas as colegas de classe era algo que eu invejava.

O garoto era um fracasso, mas não podia ser culpado por não tentar. Samantha (Ringwald, com 16 anos na época das filmagens) hipnotiza o público desde suas primeiras cenas. A sua reação ao constatar que seus pais haviam se esquecido de seu aniversário é impagável e nos cativa imediatamente. Ela é o coração do filme, o elemento que equilibra os extremos do absurdo cômico e da austeridade dramática. Vale destacar no elenco a presença sempre competente de John Cusack, vivendo o estudante nerd Bryce.

O roteiro também acerta ao retratar com fidelidade a atmosfera de uma escola, muros circundando uma ebulição de hormônios, adolescentes tendo que conviver com diferenças e descobertas. Quem não conhece uma história similar a do garoto que ostenta a calcinha de uma colega de classe perante outros rapazes, como forma de mostrar que não é mais virgem? É exatamente o tipo de situação que ocorre nesse período conturbado e fascinante.

Ainda assim, diferente do que podia ser visto em similares da época, o lado mais apimentado não era o foco do roteiro, como pode ser percebido na forma como Hughes subverte as expectativas em uma cena protagonizada por Hall e Molly Ringwald, em uma tentativa desastrada de sedução no carro, que culmina em uma séria discussão que revela a solidão e a carência emocional de ambos.

No posterior “Clube dos Cinco”, o diretor aperfeiçoaria o conceito com excelência.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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