Desafio do Além (The Haunting – 1963)
Quando o diretor Martin Scorsese elegeu recentemente seus filmes favoritos no gênero terror, não me surpreendi com o primeiro colocado: “Desafio do Além”. O homem por trás da ótima adaptação do livro de Dennis Lehane: “Ilha do Medo” (Shutter Island), havia reverenciado o clássico dirigido por Robert Wise, buscando farta inspiração para conduzir a sua obra. Não apenas na narrativa similar, como também no elemento imagético, por exemplo, com o uso pleno em simbolismo da escada em espiral.
O roteiro, adaptado do livro “The Haunting of Hill House”, de Shirley Jackson, pode ser interpretado simploriamente como um conto de casa mal-assombrada, mas possui um forte subtexto (pelo menos em sua versão cinematográfica) psicológico, que possibilita uma interpretação muito mais instigante e satisfatória.
Assim como o personagem de Leonardo DiCaprio no suspense de Scorsese, a trágica Eleanor (Julie Harris) parece estar vivendo uma ilusão induzida, como parte de uma experiência de tratamento para sua neurose, nascida de um fenômeno estranho que testemunhou quando criança. Convidada pelo parapsicólogo Dr. Markway (Richard Johnson), para unir-se a dois outros jovens (uma também afetada por fatores inexplicáveis), em uma visita a uma casa com fama de mal-assombrada, como parte de uma pesquisa que ele está conduzindo sobre o mundo paranormal. Ele acredita que a presença dessas jovens irá incitar os “espíritos” a se manifestarem.
Os ângulos de câmera (Wise foi o mestre responsável pela edição de “Cidadão Kane”) que captam várias partes da casa, transformando-a em um personagem vivo, uma entidade que observa seus ocupantes e os pressiona cada vez mais. Pode-se dizer que algumas das manifestações físicas que ocorrem são representações das distorções internas de Eleanor, cada vez menos no controle de suas emoções. Wise gradativamente incorpora os momentos de paranoia às cenas em que os “espíritos” são explícitos, tornando difícil diferenciar o que é real e o que pode ser realmente paranormal.
Estátuas parecem mudar de posição no escuro, como se a arquitetura da casa tivesse vida própria (auxiliado pela utilização distorcida das lentes olho de peixe) e visse seus visitantes como ratos em um labirinto. É comum escutar de jovens, quando indicamos o filme, que ele não dá medo. A mente do jovem está tão acostumada ao assalto visual dos filmes de terror modernos, que simplesmente não aceita a estimulação sonora. O real elemento paranormal no filme é mostrado excessivamente através do som. As vozes estranhas nas noites e as batidas nas portas e paredes, gradativamente aumentando de intensidade.
Mas ficamos com a impressão de que o verdadeiro monstro não é a casa ou os “espíritos” que possivelmente a habitam, mas a própria Eleanor, cada vez mais perdida no labirinto de sua mente.
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