Neste especial “Woody Allen”, começo sempre com um texto cômico, no estilo do homenageado, um dos meus ídolos nesta arte.
Eu estava voltando para casa ontem, quando passei em frente ao monumento de Aguinaldo Tambor, maior herói indígena de Cascatinha e redondezas. Sentado aos pés da estátua, um jovem vestia um jeans de acordo com as tendências da moda, uma camiseta estilosa e um relógio maior que seu pulso. Ao notar minha presença, ele começou a puxar papo, contando suas aventuras na cidade grande. Em sua tribo ele era conhecido como Tabaré, mas ai de quem o chamasse por esse nome.
Ele era o que poderíamos chamar de um “índio politicamente incorreto”, já que fazia todo esforço possível para vencer na vida como um cantor de sertanejo universitário. Ele tinha em seu flat, escondido dentro do armário, vários cocares e flechas, que utilizava em manifestações populares, sempre que sentia que poderia finalmente se beneficiar de suas origens. Ele era um praticante de Cosplay dedicado, tendo tido o trabalho de decorar expressões de seu povo, mesmo sem saber exatamente o significado das palavras. Como saberia? Ainda criança, após a quarta fuga da oca de seus pais, impulsivamente se jogou dentro da mala de um homem branco que havia sido encontrado deitado inconsciente nas areias da praia.
O pobre mercador passou semanas boiando numa tora de madeira, castigando-se internamente por ter aceitado satisfazer o desejo noturno de sua esposa grávida. Ele nunca imaginou que seria tão difícil encontrar bolinhos de chuva. Tabaré chegou à cidade grande e foi criado pelo mercador e pela esposa, que diariamente repreendia o marido por ter utilizado os bolinhos como desculpa para tentar fugir novamente dela. Dois homens em fuga, unidos pela mão trêmula do destino.
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Com a palavra, o crítico de cinema sergipano (de gosto extremamente duvidoso) Pierre Dominique:
“Essa história é tão linda, que se eu pudesse me transformar alquimisticamente numa poltrona de uma sala de cinema, eu nunca ia deixar um cabra amarrotar meu estofado.“
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Tabaré passou por momentos difíceis, como todos que se aventuram sem preparo algum em terras estranhas. Quando foi visto caído bêbado na sarjeta, passou a ser chamado de “Tabaré, o Etílico”. O que o deixava mais irritado era não saber o que significava a palavra. Nas noites frias de inverno, o povo costumava escutar sua voz rouca entoando a clássica canção “New York, New York”, enquanto testemunhas afirmam que ele era visto constantemente azucrinando os policiais, questionando duramente sobre a ausência dos bonecos de neve nas ruas. O prefeito não colocava sequer o asfalto, pobre Tabaré, que agora me encarava sentado aos pés da estátua.
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Com a palavra novamente, o crítico de cinema sergipano (de gosto extremamente duvidoso) Pierre Dominique:
“Olhe, seu menino, tava bom demais pra ser verdade esse cabrunco bexiguento. Que final mais paia. É de lascar o cano”.
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Final severamente modificado após requerimento da Associação PECA (“Procure Esconder com Ajustes”)
Tabaré abraçou carinhosamente a estátua de seu antepassado, com o orgulho de um filho que vê seu pai moldado em bronze, numa pose esquisita e anatomicamente incorreta, servindo de tela para craqueiros praticarem suas pichações. Ele se despediu de mim, ostentando o cocar em sua cabeça, rumando em direção ao aeroporto. Estava com saudades de casa.
A biografia autorizada de Tabaré está sendo vendida nas melhores livrarias. Viva você também a “Indiomania” que tomou de assalto o país.
Sonhos de Um Sedutor (Play It Again, Sam – 1972)
Allan (Woody Allen), um crítico de cinema que consome filmes ansiosamente e idolatra “Casablanca”, é abandonado por Nancy (Susan Anspach), sua mulher, que quer o divórcio já que não aguenta mais a insegurança emocional dele. Incapaz de lidar com este momento conturbado da sua vida, o sonhador busca consolo nos filmes que ama, enquanto imagina Humphrey Bogart (Jerry Lacy) lhe dando conselhos de como deve lidar com as mulheres.
Entre o humor tresloucado e episódico de “Bananas” e “Tudo o Que você Sempre Quis Saber Sobre Sexo…”, Woody Allen filmou sob a direção de Herbert Ross (de “Adeus, Mr. Chips”), uma adaptação do seu texto para uma peça (encenada pela primeira vez em 1969), que acabou marcando o primeiro encontro nas telas entre Allen e sua primeira musa Diane Keaton.
Interessado apenas em dirigir roteiros inéditos, Allen acreditava que Ross poderia transformar sua ideia já trabalhada na Broadway em um projeto de maior apelo comercial, conquistando um público maior do que em seus próprios filmes. Diferente do pastelão que ele vinha realizando, o roteiro se preocupa em desenvolver as motivações narrativas dos personagens, com uma aura sentimental que encontraria ressonância apenas cinco anos depois, com “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”. Um bom exemplo está na repetição de um tema, mas com objetivo contrário. No caso, o clássico momento em que Allen é intimidado por valentões. A cena não é trabalhada visando fazer graça da situação, mas sim acentuar a humilhação sentida pelo protagonista perante sua acompanhante.
A ideia de um cinéfilo receber conselhos de um personagem de cinema é fantástica, mas poderia desandar caso a atuação de Lacy (Bogart) fosse um tom acima. Mesmo sendo essencialmente caricaturais, suas breves aparições trazem equilíbrio e sinceridade aos gestos histriônicos do protagonista. Allan respira cinema do segundo em que acorda até a hora em que vai dormir. Sempre que uma crise se insinua em sua vida, recebe a visita de seu ídolo Bogart, com conselhos objetivos de como ele deve agir nas mais variadas situações.
Ele encontra na arte a inspiração que precisa para superar suas limitações. O tema fala diretamente ao coração de Woody (isso transparece em cada cena), que ainda insere homenagens sutis a outros gênios da indústria de sonhos que ele admira, como François Truffaut.
O filme está sendo finalmente lançado em DVD, pela distribuidora “Classicline”, em parceria com a “2001 Vídeo”.
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Seus comentários me fazem viajar...me vejo assistindo os filmes.