Artigo

Bergman e Antonioni (a importância do silêncio no cinema)

Arte: Atividade humana ligada a manifestações de ordem estética, feita por artistas a partir de percepção, emoção e ideias, com o objetivo de estimular em seu público estes sentimentos.

Quando falamos da obra de Antonioni, Godard, Buñuel, Wenders e outros ícones do cinema usualmente chamado de “arte”, conceito essencialmente equivocado, o mais cômodo é analisá-los pelo caminho da prolixidade, encaixando termos técnicos e entregando um texto tão distante e frio que nem os próprios diretores se interessariam em ler. A tendência é levarmos a sério demais um trabalho que visa o entretenimento cultural, não públicos mirrados em salas e sessões alternativas.

A arte deve caminhar lado a lado com a emoção. Para se entender a mensagem que Antonioni tenta nos passar em “Blow Up”, deve-se abrir o coração e os sentidos e caminhar junto ao fotógrafo vivido por David Hemmings. Vivenciar com ele cada descoberta, entrar no jogo que o diretor propõe e, quem sabe, ao final, estaremos também rebatendo aquela bola de tênis imaginária. Arte é isto. Ela demanda comprometimento emocional e intelectual. Quando vemos Godard e sua obra “Alphaville”, devemos sorrir mais de sua irônica crítica do que analisar friamente cada som e movimentação de câmera, ou iremos ao término do filme estar tão desumanizados quanto o futuro que ele vislumbrou e o qual criticou.

Existem elementos intelectualmente elevados nas obras destes gênios, porém acredito que a intenção dos mesmos era ver seus filmes populares, sendo amados e abraçados por cinéfilos do mundo todo, não apenas ter suas obras dissecadas cirurgicamente por “homens-máquina”, tal qual dito por Chaplin em seu discurso de “O Grande Ditador”. A cada análise fria, menos pessoas se interessarão em conhecer o cinema maravilhoso destes poéticos sonhadores. Chaplin fazia arte de altíssima qualidade e é adorado por pessoas dos oito aos oitenta anos. A sua aparente simplicidade evitou análises frias de seus críticos, o que, tenho certeza, ajudou a construir seu mito.

Considero “O Anjo Exterminador” de Buñuel um dos melhores filmes de todos os tempos, com sua crítica ácida atirando para todos os lados da alta sociedade. A história é simples: vários burgueses não conseguem ultrapassar a porta escancarada de um salão onde estavam reunidos para um jantar. Aquele lugar torna-se uma prisão e eles passam a noite inteira como náufragos em uma ilha. Aos poucos, todas as máscaras sociais vão sendo destruídas, dando lugar ao lado humano, verdadeiro e bestial de cada um deles.

A obra é maravilhosamente narrada, mas não é conhecida pela maioria das pessoas. É um filme tão bom quanto “A Felicidade não se Compra” de Frank Capra, então o que os difere? Enquanto a obra de Buñuel passou anos nas mãos de críticos tão pedantes quanto os indivíduos que o diretor criticava no filme, o de Capra entregou-se ao público como um roqueiro que se joga na plateia de braços abertos, recebendo em troca o merecido carinho. O cinema é feito essencialmente para ser amado, recomendado e Wenders sabia disso muito bem quando idealizou seu fantástico “Asas do Desejo”, colocando os anjos próximos aos humanos, ajudando-os ao pé do ouvido. O toque de gênio foi ter feito um anjo se apaixonar por uma humana e ter vontade de desistir de sua divindade para viver ao lado dela. Arte: a união sincera entre o divino/intelectual e o humano/passional.

Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman são representantes de uma raça praticamente extinta no mundo da Sétima Arte. Enquanto fomos induzidos a crer por uma geração de cineastas que o que vemos na tela é real, estes dois desconstroem a fábrica de sonhos, deixando bastante aparente o trabalho da câmera, sua artificialidade e o silêncio. Este silêncio incomoda os que não estão interessados em saborear uma completa experiência cinematográfica ou os que não possuem a maturidade cultural necessária, seja por pouca idade ou pueris prioridades.

Torna-se comum receber como resposta de alguém a quem você indica uma obra destes mestres: Que coisa chata e arrastada. A realidade é que a maioria das pessoas foi condicionada a alimentar sua sessão de cinema com pipoca e muita euforia, preparados para algo que eles já sabem exatamente como vai terminar (o ser humano não aprecia o inesperado, raros são aqueles que verdadeiramente se interessam em aprender algo novo), que o mocinho vai eliminar o bandido no final, assim como é certo que o casal, mesmo brigando o filme inteiro, vai acabar junto e com direito a alguma música brega do Michael Bolton coroando o desfecho. Imaginem a desilusão deste espectador ao chegar aos créditos finais e constatar que mal ingeriu suas pipocas, pois passou o tempo todo com a testa franzida tentando entender de onde apareceu aquele personagem esquisito.

Compreensível, já que ele só foi atender seu celular umas sete vezes no meio da sessão. Este foi o impacto que a obra desses diretores causou entre os cinéfilos, que foram obrigados a prezar o silêncio quase ritualístico que precede um filme. Não querer impor o ritmo e sim deixar-se guiar pelas mãos e mentes destes diretores, deixando que as imagens e seus significados penetrassem pelos poros e não somente pelos olhos.

Por que as novelas são tão essenciais na vida dos brasileiros e Antonioni (por exemplo) não? Por uma inexplicável necessidade humana de se limitar e achar que se é feliz ao repetir de maneira robótica os códigos pré-determinados pelas emissoras televisivas, pensar como a massa pensa, saborear o gosto amargo da mediocridade confortável. O que Ingmar Bergman nos mostra em filmes como: “Persona” (1966), “O Sétimo Selo” (1957) e “Morangos Silvestres” (1957) é alimento eterno para a alma, adições preciosas em uma mente questionadora.

Quando o personagem do idoso médico de “Morangos Silvestres” está prestes a receber um prêmio honorífico na universidade de Lund e começa a questionar sua vida à luz de sua finitude, quase podemos sentir suas emoções. No jardim de sua antiga casa, ele relembra momentos de sua juventude, mas Bergman decide não mostrar seus pais nesses trechos. Somente no final, representando a conformação dele perante o abraço da finitude, somos presenteados com uma cena de beleza sem par, quando a memória de um amor do passado diz que seus pais o estão chamando, no que ele emocionado olha para o horizonte e vê a silhueta do casal que, distante, acena para seu filho. A cena é conduzida silenciosamente. Não existe a intenção de incitar emoção pelo uso de uma trilha sonora melodramática, porque Bergman não subestima a inteligência seu público.

Antonioni e sua aclamada cena final de “Profissão: Repórter” (1975): em um plano sequencial espetacular, mostra Jack Nicholson e Maria Schneider conversando em um quarto (cuja janela é protegida por espessas barras de ferro e dá para uma praça do lado de fora) de hotel. Nicholson se deita, acende um cigarro e lentamente a câmera percorre o ambiente em direção à janela, atravessa as grades, observa o movimento da praça e do hotel do lado de fora, retorna à janela onde vemos as barras e Nicholson deitado. A cena, que até hoje gera debates sobre como foi realizada, dura aproximadamente dez minutos de puro silêncio.

Em uma sociedade cada vez mais imersa em ruídos e bocas que falam incessantemente em uma catarse de sons, que na maioria das vezes não representam nada, Bergman e Antonioni tentaram nos ensinar a importância do silêncio, realizando obras que deveriam ser primordialmente sentidas e não analisadas, assim como a vida.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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