Críticas

Sétima Arte em Cenas – “Último Tango em Paris”, de Bernardo Bertolucci

Último Tango em Paris (Last Tango in Paris – 1972)

Muita gente se lembra dele por causa de suas cenas apimentadas, alguns chegam a classificá-lo erroneamente como um filme erótico. Quem vê procurando satisfazer estas necessidades irá terminar frustrado, pois a obra de Bernardo Bertolucci é um estudo psicológico sobre a mortalidade, a necessidade humana de se apegar a crenças e sobre relacionamentos.

A esposa do personagem de Marlon Brando acabou de tirar a própria vida, deixando-o completamente desorientado e amargurado. Subitamente a sua vida parece ter perdido o sentido, ele passa a rondar pelas ruas frias de Paris procurando se isolar do mundo. A personagem de Maria Schneider também ronda a cidade, procurando um sentido em sua existência. Seu noivo, vivido por Jean-Pierre Léaud (eterno “Antoine Doinel”, de Truffaut), um narcisista fútil que representa um terrível mundo politicamente correto.

Toque de gênio, o roteiro torna-o um cineasta que persegue sua noiva pela cidade, acompanhado de suas câmeras, como se a filmasse para um projeto que está preparando. Vejo isso como um simbolismo perfeito. Todos os beijos do casal são pensados para o melhor posicionamento da câmera, assim como todos os diálogos e declarações de amor se mostram calculados, artificiais. Com o casal Jean-Pierre e Maria, Bertolucci quis representar o falso amor, aquele que é propagado aos quatro ventos, mas não é sentido em sua essência. Sentimento de fachada, em que ambos posam para o deleite da sociedade.

Brando e Maria representam o outro extremo de um relacionamento, aquele no qual ambos procuram formas de se completarem. As tão faladas cenas apimentadas, em especial aquela que se utiliza da manteiga, existem por um motivo. A intenção não é somente chocar o público, mas sim, encaminhá-lo para uma catarse emocional que acontece próximo do desfecho. Nesta relação não existe amor. Brando insiste em não revelar seus nomes um ao outro, nem mesmo suas histórias de vida.

O amor entre eles é um ritual de purificação espiritual, em que caminham a passos rápidos em direção ao inferno, para só então vislumbrarem um tipo de céu. Isto fica claro no terceiro ato, quando sua relação intensifica e ambos flertam com radicalismos. Paul busca encontrar naquela desconhecida a negação de qualquer sentimento, qualquer noção de moralidade, expondo a falsa pudicícia da jovem. Jeanne deixa claro ao final, quando encara a realidade de um questionamento externo sobre seus atos, sua regressão psicológica ao confortável estado de vítima (“eu não o conheço, ele abusou de mim…”), algo essencial para que ela consiga se domar e aceitar o ritual do casamento com seu noivo.

A minha cena favorita no filme ocorre num salão de dança, quando um Paul totalmente vulnerável convida a desconfortável jovem, com quem por semanas havia mantido uma relação tórrida (agora, incrivelmente sem química), para um trôpego tango. Sem o elemento do mistério, ela já percebe em seu parceiro bêbado sua calvície, as rugas nos olhos e os quilos a mais. É uma situação essencialmente trágica, como todo tango deve emoldurar. Os competidores e seus passos perfeitamente calculados são a hipócrita sociedade, enquanto Paul e Jeanne debocham descaradamente de todo aquele ritual, conduzindo os jurados ao pânico.

Bertolucci utiliza os encontros do casal no velho apartamento vazio como uma analogia ao processo de desmistificação do amor. Trazendo-o para seus elementos mais primários e bestiais, desvincula-o de todos os tabus referentes à idolatria, orgulho e religiosidade. Um filme denso e imperfeito como a vida. Você pode encará-la ou virar o rosto em repúdio, mas nunca negar sua pungente existência.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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