Joseph Levitch nasceu em um berço de artistas. Seu pai, Danny Lewis era um ator de Vaudeville e sua mãe Rachel Levitch tocava piano para uma estação de rádio local. Desde os cinco anos de idade já gostava de fazer os outros rirem e aos quinze já havia criado uma brincadeira que viria a ser usual em seus projetos futuros, acompanhar com gestos exagerados uma música.
No início da década de quarenta formou parceria com o cantor Dean Martin. Em uma época onde o humor era burlesco e formado por esquetes baseadas em uma ação única, direcionado a um público mais simplório, Martin e Lewis traziam em sua bagagem uma forte carga de ironia e anarquia, escondidos por trás de duetos nada harmônicos onde Lewis, que cantava muito bem na vida real, forçava sua voz a ponto de torná-la um tormento aos ouvidos, enquanto inseria trechos cômicos nas melodias de seu parceiro. Outra inovação era o formato de humor livre, baseado apenas na interação e nos improvisos da dupla, algo que marcou profundamente o show business da época e modificou tudo desde então.
Hollywood se apoderou da dupla e os colocou em uma fórmula vencedora, mesmo que aprisionada por vários clichês. Sempre haveria o momento onde o galã Dean cantaria uma bela canção de amor e um espaço reservado para o talento de Lewis brilhar sozinho (é nesse momento que ficava claro quem era o real gênio por trás da dupla). Meu filme favorito nessa parceria é “O Marujo foi na Onda” (Sailor Beware – 1952). Enquanto Martin sempre foi um ótimo crooner que conseguia ser engraçado, Lewis era extremamente engraçado naturalmente e conseguia cantar, fazendo muito bem as duas coisas. Desde o início tentava expandir os limites do humor, trazendo novas maneiras de se conseguir uma gargalhada, seja por gestos exagerados, caretas ou intrincadas cenas realizadas perfeitamente, demonstrando excelente timing cômico.
Os dois eram amigos fora das telas, porém o ciúme profissional e a crescente popularidade de Lewis fizeram com que Martin desfizesse a parceria após mais de quinze filmes. Os dois ficaram décadas sem se falar, até que um amigo em comum, Frank Sinatra, colocou-os frente a frente, para a comoção de uma surpresa plateia em um Telethon apresentado por Lewis em 1976. Naquele dia ficou notório o quanto os dois realmente se gostavam e haviam amadurecido. No final da década de cinquenta, já sem a companhia de Dean, Lewis continuou carreira nos estúdios Paramount. Foi nessa época que sua genialidade encontrou o equilíbrio perfeito, dando luz a obras-primas eternas e reverenciadas até hoje.
Em 1960 tomou o comando de sua primeira produção com total poder criativo, originando o clássico: “O Mensageiro Trapalhão” (The Bellboy) onde interpreta um mensageiro de hotel que não fala uma palavra durante toda a projeção, porém realiza as maiores trapalhadas. Seu trabalho nesta obra faz referência a astros do humor como Jacques Tati, Chaplin e Stan Laurel (seu grande ídolo e amigo), sendo na realidade uma linda homenagem ao cinema do gênero. Nesta pequena obra está contido o amálgama de tudo em que Lewis acreditava, com facetas de vários estilos de humor, o grosseiro, físico, inteligente, cínico e o infantil, ingênuo e inocente. Sempre lembrado como ator, poucos valorizam seu trabalho como diretor.
A sua originalidade na construção do cenário inovador de “O Terror das Mulheres”, já bastaria para reverenciarmos sua ousadia. Ele também criou um artifício que muitos operadores de câmera hoje em dia nem fazem ideia que foi ele o inventor. Até aquele momento, o diretor filmava as cenas e tinha que esperar vinte e quatro horas para poder visualizá-las. Lewis, procurando resolver esse problema, patenteou um sistema onde colocava uma câmera de vídeo ao lado da câmera de filmagem, os dois compartilhando a mesma imagem. Assim ele poderia voltar e ver sua cena sempre que quisesse, realizando pequenos ou grandes ajustes. Esse protótipo hoje recebe o nome de “Assistente de Vídeo”, sendo presença obrigatória em todos os sets de filmagem.
Outras obras primas seguiram-se, como: “O Terror das Mulheres” (The Ladies Man), “O Mocinho Encrenqueiro” (The Errand Boy) e o insuperável “O Professor Aloprado” (The Nutty Professor). No filme de 1964: “O Otário” (The Patsy), foi o responsável por mais uma inovação cenográfica, quando ao final, as câmeras se distanciam deixando exposto que aquilo tudo era um estúdio de gravação. Ele se mostra, não como o personagem, mas sim como o diretor Jerry Lewis, desconstruindo o sonho da maneira mais engraçada possível. Fellini fez parecido em “E La Nave Va”, quase vinte anos depois, e foi considerado original. Jerry já havia ousado muito antes.
Jerry dedicou sua vida em uma luta a favor das vítimas de distrofia muscular, realizando anualmente programas televisivos que buscam angariar fundos para a causa, os já citados Telethons. Ao final de cada apresentação emocionava-se cantando a clássica: “You’ll Never Walk Alone” (Você nunca andará só). Em suas lágrimas, o comprometimento de uma vida dedicada à arte, ao aprimoramento constante de seu ofício e sua incrível generosidade.
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Acabou?
Não acredito!
Quero mais...
poderia ler um livro sobre esse homem ,
amo muito seu trabalho, sua pessoa.
Octavio,não imagina quantas lágrimas ficaram retidas em meus olhos quando me lembraste dessa pessoa e o com carinho com o qual você falou dela. Obrigada!.
AMO... simplesmente amo
Que texto incrível! O meu filme preferido da dupla é Sailor Beware também. Jerry Lewis é e sempre será o rei da comédia!
Eu me arrepiei ao ler o artigo! Ele é mesmo um gênio e dos maiores!!! Não apenas ator, cantor, dançarino, criador, mas tbém um diretor que tanto inovou!!
Octavio Caruso: esse cara escreve com o coração. É assim que se deveria fazer política neste país. Abraços. Carlos de Laet.
Muito legal! Parabéns! Só queria dar a minha impressão sobre os filmes de Lewis com Martin - sempre detestei Dean Martin, para mim sempre foi um peso nas costas de Jerry Lewis (ouvi falar até em histórias sobre questões de contrato, etc..), como se tivesse alguma coisa que tivesse que condizer à estética, digo, com o mercado da época, ou seja, a presença de um galã-cantor a la Sinatra ou coisa que o valha. Dese modo, parecia sempre que o talento de Lewis era pouco aproveitado, assim como, me parecia sempre, que os formatos caretas da época, subaproveitaram também figuras como os Irmãos Marx, que se bastariam a si mesmos e não precisariam de algumas babaquices americanas (digo as babaquices, e não as coisas acertadas, tb americanas). Mas enfim..rs E uma pergunta: assisti a um filme do Lewis faz muitos anos atrás e que nunca ri tanto na minha vida, mas nunca mais encontrei em lugar nenhum, nem lembro do título: tratava-se da história de um milionário (o Próprio Lewis) que bancava um exército particular para contribuir na Segunda Guerra, você sabe que filme é esse??? Para ter uma ideia de como achei aquele filme engraçado, eu diria, p ex., que "o prof aloprado" é um filme bom, mas não ééé uma coisa tão assim! - com a exceção das cenas de transformação, depois de tomar a fórmula - aqueles movimentos, caras e bocas, que só ele sabia fazer! Pois bem: imagina um filme inteiro somente com esses ataques, essas caras! Incrível! e era o tal do filme que não consigo achar!! cada frustração do tal milionário com os impedimentos da sua empreitada, ele caia no chão, dava 1001 ataques de ódio, se contorcia..realmente um gênio. Esse é o Jerry Lewis que eu gosto, autônomo, com suas próprias ideias, sem o 'mala' do Dean Martin cantando e fazendo o escada (quando , na verdade, mais parecia o Lewis como tendo que engolir aquele galã sem graça para poder ser aceito..). OK, adoraria se você pudesse comentar esse meu comentário! abraço e obrigado! Paulo Proença (meu e-mail: vervelle@hotmail.com
Ate hoje quando estou triste busco filmes antigos e atores que deram tudo de si pelo que gostavam de fazer, com amor e nato pelo trabalho. Amo muito esta dupla e toda vez que vejo e como se depois de tantas vezes visto parece a primeira vez. Ainda bem que podemos matar a saudade sempre que quizermos rir um pouco em momentos tristes. Muito boa sua materia. Amei!!!!!!!!
Verdade. Como maestro, sonoplasta; com a humildade de se fazer de escada para Dean Martin, a fim de que a mensagem fosse transmitida ao espectador de forma simples e leve...
Reduzi-lo a um ator (e autor) de comédia pastelão seria muita injustiça com o seu gênio criativo .
Há um documentário póstumo - que, infelizmente, não me lembro como foi intitulado ou onde vi - que desfaz esta mística da comédia como arte menor.
Belo texto que nos garante gratas lembranças e momentos de muita saudade desse gênio. A TV poderia nos brincar com um festival de filmes dele. Seria um consolo em tempos de pandemia!