Escolhi celebrar o trabalho do diretor francês Éric Rohmer, abordando uma obra do seu ciclo de “Comédias e Provérbios”. Ele era um homem religioso, um católico fervoroso, destoando dos seus colegas questionadores de “Cahiers du Cinéma”, procurando sempre captar Deus na natureza e nas longas conversas casuais dos homens.
A sua simplicidade não é favorecida por análises frias, sua obra deve ser abraçada e devemos desfrutar da companhia de seus personagens, sem a postura calculista de alguém que procura dissecar cada movimento. Eu acredito que ele merecia ser mais reconhecido pelos cinéfilos brasileiros, por isto resgato este “Tesouro da Sétima Arte”.
O Raio Verde (Le Rayon Vert – 1985)
Poucas vezes a solidão foi tão bem retratada pela Sétima Arte. Delphine (Marie Rivière, responsável também pelo roteiro) percebe que está chegando o momento de relaxar em suas férias, mas ela definitivamente não está ansiosa para enfrentar a si própria, longe dos afazeres rotineiros e ritualísticos de seu emprego como secretária. Ela não consegue manter relações com os rapazes por medo de se doar.
Ao desviar o olhar do reflexo no espelho e tentar encontrar um sentido para sua existência no mundo externo, a jovem não enxerga os vários flertes que atrai, acreditando-se cada vez mais desinteressante. Diferente das protagonistas usuais do diretor, fala pouco e de forma desajeitada, pois (como ela mesma diz) possui problemas em se expressar. O ato requer entrega, o abaixar de escudos, em suma, tudo que ela teme. Por manter-se distante de todas as convenções sociais, torna-se um elemento puro, que não se sente adaptado para o mundo corrupto em que acredita estar inserido. Não é por coincidência que, ao final, revela-se o livro que ela passou o filme inteiro lendo: “O Idiota”, de Dostoiévski.
Delphine só intenciona modificar seu modus operandi ao encontrar Lena, uma desinibida garota sueca, sua perfeita antítese. A genialidade do roteiro se insinua nesse ponto, quando começamos a nos questionar se realmente queremos ver a protagonista encontrando um namorado. O certo não seria torcermos para que ela saia da apatia e se imponha na vida como ser humano? Ao direcionarmos nosso desejo ao encontro da satisfação confortável de um ritual social com qualquer estranho, não estamos desrespeitando-a como mulher? Queremos que Delphine se torne Lena?
No brilhante terceiro ato, começamos então a entender o ponto de vista da protagonista, sua aversão aos papéis limitantes que a sociedade impõe às mulheres. E então, num toque de pura sensibilidade, Rohmer nos faz admirar o fenômeno meteorológico do “raio verde” no horizonte, o que faz com que no preciso momento (aos olhos do escritor Julio Verne) a pessoa passe a enxergar magicamente seus sentimentos e os dos outros.
Ela então, como não havia feito antes, sorri com a naturalidade de uma criança que vê o mundo pela primeira vez.
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