A maior recompensa para um crítico de cinema é perceber que seus leitores estão aprimorando seus gostos, aprendendo a enxergar além da superfície, estudando as “engrenagens da máquina”, entendendo como suas emoções foram geradas.
Ao mesmo tempo, quando o texto estimula uma atenção exagerada aos aspectos teóricos, pode acarretar ao leitor um prejudicial desprendimento emocional, arruinando parte da experiência.
É preciso simplificar ao máximo, sem banalizar a informação. Textos longos e acadêmicos, com utilização generosa de expressões técnicas, falam mais ao ego de quem escreve, do que ao interessado leitor. Mas para que o cinéfilo apreenda o máximo possível de um filme, faz-se necessário que ele compreenda que não é somente a beleza da trama que despertou seus sentimentos, mas também a forma como o diretor (e sua equipe) trabalhou cada cena.
Normalmente, o primeiro elemento que percebemos quando estamos na transição de um espectador passivo para o ativo/consciente, é a utilização da trilha sonora, por ser uma manipulação mais óbvia. Analisamos que, independentemente da competência dos atores em cena, um acorde do violino irrompendo o silêncio pode completar as lacunas de um roteiro ineficiente. Mas a fascinante manipulação vai muito além desta constatação.
Tentarei resumir o conceito propondo um “dever de casa” divertido, para que utilizem em todos os filmes (não importa o gênero ou época). Antes, uma breve explicação:
Edição X Montagem
O diretor filma um longo diálogo entre dois atores num único ambiente, mas percebe que a mensagem já havia sido transmitida com eficiência no primeiro minuto. Ele então pede para cortar os minutos restantes, deixando apenas o desfecho, em que ambos se despedem.
Na sala de Edição, uma cena que duraria 5 minutos, acaba entrando no filme com 2 minutos. Já a Montagem é uma técnica da Edição, em que planos separados são reunidos em um sistema dinâmico (favorecendo a narrativa).
Por exemplo: “Rocky” (1976) e sua empolgante montagem ao som de “Gonna Fly Now”. Tudo poderia ser resumido em intertítulos que informassem ao espectador que o protagonista se dedicou intensamente ao seu treinamento, deixando-o preparado para a luta. Mas não haveria emoção alguma. E a intenção do diretor era empolgar o espectador, que precisava torcer pelo personagem.
Na animação “UP” (2009), a comovente Montagem que culmina na solidão do protagonista, sucede uma longa exposição de sua relação com aquela que viria a ser sua esposa. Nós já compramos emocionalmente o relacionamento dos dois, entendendo os fortes laços de amizade e companheirismo entre eles. Este sentimento nunca conseguiria ser transmitido em uma Montagem.
Percebam esta diferença nos filmes, analisando como a emoção foi intensificada devido ao uso de uma Montagem. Será que a mensagem da cena seria transmitida com a mesma eficiência de alguma outra forma? Em uma cena que parece se estender além daquilo que se propõe a dizer (em que o diretor escolhe não cortar antes), você consegue captar os possíveis motivos para esta escolha? Qual é o tipo de reflexão ele está sugerindo?
God’s Eye View
O “Ponto de Vista de Deus” é aquela tomada em que as lentes da câmera ficam perpendiculares ao “objeto”, sem estabelecer nenhum referencial de ponto de vista, dando ao espectador uma dimensão onisciente dos personagens e do ambiente ao redor dele. Ela pode acompanhar a cena, como se um pássaro estivesse filmando. Mais que uma decisão de estilo, este ângulo trabalha avançando a narrativa.
No já citado “Rocky”, ela aparece no momento em que os dois pugilistas estão se preparando para iniciar a luta (acompanhando a descida do microfone às mãos do apresentador), como que se dissesse que não havia mais nada que o protagonista pudesse fazer, pois seu destino dependia apenas de sua competência.
Outro exemplo que considero excelente ocorre em “O Iluminado” (The Shining – 1980), no momento em que um alterado Jack Nicholson se aproxima da maquete do labirinto e podemos ver (no “God’s Eye View”) sua esposa e filho caminhando no centro dele. Jack se torna onipresente.
A cena anterior estabelece um tom de brincadeira nos dois enquanto entram no labirinto. A utilização do ângulo (com o auxílio da trilha sonora e do lento aproximar da câmera) subverte a cena, nos passando a sensação de opressão, como se eles estivessem sem saída.
Quando encontrarem este ângulo sendo usado nos filmes, tentem entender a razão de sua utilização. Tomem nota, comparem com o que ocorre antes e depois. A emoção teria sido diferente caso o ângulo fosse outro? Modificaria alguma coisa na narrativa?
A Diegese
Som não Diegético: Quando você escuta uma trilha sonora (efeitos/narração/ música) emoldurando uma cena, mas não estando inserida no contexto da ação (os personagens não percebem sua presença).
Som Diegético: Quando a trilha sonora está tocando no rádio do personagem, ou o som dos carros na estrada onde ele está dirigindo seu veículo. Pode ocorrer também fora da cena, como pássaros que cantam no jardim, enquanto os personagens dialogam dentro do quarto.
Som Meta Diegético: Imagine uma paciente de um sanatório que tenta conversar com seu médico. A voz dele vai se tornando mais fraca, enquanto ela vai abandonando seu estado sensorial normal. Como em um sonho, ela começa a escutar a voz dele repetindo apenas uma palavra (que seja o gatilho para despertar sua paranoia), que vai aumentando de intensidade.
Som Acusmático: Tudo o que se ouve, mas sem o conhecimento de sua origem (pode ser que mais adiante na trama ele seja revelado), como a voz da mãe de Norman Bates em “Psicose” (Psycho – 1960) ou o assobio do criminoso em “M – O Vampiro de Dusseldorf” (M – 1931).
Tentem discernir estas variações nos filmes, percebendo como a utilização deles reforça a mensagem que o diretor propõe ou a emoção que ele busca atingir.
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Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…
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Vivendo e aprendendo. Obrigada pelo texto.
Grato demais pelo carinho, Maria.
Bjão!!