Críticas

“A Última Espada”, de Yojiro Takita

A Última Espada (Mibu Gishi Den – 2003)

Lançado na mesma época que “O Último Samurai” (com Tom Cruise), este épico japonês que trata de um tema similar, acabou recebendo pouca atenção. Premiado na Academia Japonesa de Cinema (filme, ator e ator coadjuvante), esta sensível obra do diretor Yojiro Takita (do ótimo “A Partida”) se assa no período Meiji (de 1868 a 1912), crepúsculo dos nobres samurais e a ascensão do mundo moderno, com a revolução industrial.

Kanichiro Yoshimura (ótima interpretação de Kiichi Nakai) é um samurai que se desespera ao flagrar sua amada esposa tentando dar fim à própria vida, por não poder alimentar seus filhos, devido ao baixo salário que ele recebe no seu pequeno clã. Movido pelo amor à família, ele decide ir sozinho à cidade grande e unir-se ao notório clã Shinsengumi, arriscando sua vida diariamente para conseguir enviar seu pagamento para sua esposa e filhos. Decidido a sobreviver tempo suficiente para garantir um futuro melhor à sua família, Yoshimura desperta curiosidade em seus colegas, como fica claro na pergunta que Saitô (Kôichi Satô) faz: “Você não quer morrer? Que tipo de samurai é você?”

O diretor nos apresenta este protagonista pelos olhos de dois personagens (dois pontos de vista, o que nos remete ao “Rashomon” de Akira Kurosawa): um jovem médico que outrora foi um pupilo de Yoshimura e Saitô, um personagem real da história japonesa, cuja importância na trama eu não irei contar, respeitando a experiência daqueles que ainda não viram este lindo filme. O foco no desenvolvimento dos personagens, explorando seus conflitos internos e externos, eleva a qualidade da obra.

O sensível trabalho de Takeshi Hamada na fotografia cria batalhas de beleza comparáveis às do clássico “Ran” (Kurosawa). Outro aspecto que me surpreendeu foi o senso de humor de Takita, que nos apresenta de início um protagonista frágil, nunca levado a sério por seus colegas, que sempre riem dele e de sua tola humildade. Leal à sua família e com atitudes nobres (inclusive perante seus inimigos), ele vai ganhando o respeito e a admiração do público ao longo da obra, o que conduz a um final altamente sensorial.

Finalizando, caso o texto ainda não tenha despertado seu interesse em garimpar este tesouro, preciso contar aqui uma cena que me emocionou sobremaneira. Decidido a sair de sua casa e buscar a garantia do conforto de sua família no campo de batalha, Yoshimura sai sem se despedir e corre pelas ruas sem olhar para trás. Ao chegar a uma pequena ponte, escuta o chamado de seu filho mais velho, que conduz nas costas a caçula Mitsu, que apaixonada pelo pai, não aceita que ele vá embora.

O pai esmorece e cai de joelhos, abraçado à sua pequena filha, chorando copiosamente. O filho mais velho percebe que seu pai está fraquejando em sua decisão e corajosamente o confronta resignado, pedindo-o que não chore e siga o seu caminho, fazendo com que nosso trágico e honrado herói receba a força necessária para dar as costas a tudo que mais ama, seguindo em uma jornada ao “inferno”, sem chance de redenção.

As palavras não fazem justiça à beleza da cena, emoldurada por uma linda trilha sonora de Joe Hisaishi.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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  • Octávio, comovente ver a tua descrição dos filmes... Ricos em diversos aspectos, desde a descrição da arte propriamente, como a percepção de detalhes poéticos, aspectos históricos (na descrição de um filme de jazz) e etc e etc. Resulta talvez um senão: as descrições são tão completas que em alguns casos o leitor (no meu caso) fica satisfeito, sacio da fome... Gostaria ainda de ver teu comentário sobre dois filmes que me parecem clássicos: "Os irmãos cara de pau" (Blues Brothers), comédia musical incomparável e "A arvore da Vida", do Terrence Malick, mais recente mas sem dúvida uma arte dentro da 7º Arte. Penso que "A árvore" não foi valorizado e talvez não foi entendido... Abraço, obrigado.

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