Críticas

“Crise”, o primeiro filme do mestre sueco Ingmar Bergman

Crise (Kris – 1946)

Nelly, uma jovem de 18 anos, vive com a mãe adotiva numa cidade do interior da Suécia. Tudo muda quando sua verdadeira mãe, proprietária de um salão de beleza em Estocolmo, aparece decidida a levá-la para a cidade grande. Encantada com as posses da mãe, Nelly decide acompanhá-la a Estocolmo, onde conhecerá o lado sombrio da natureza humana.

Em seu primeiro filme, tendo como mentor e supervisor o grande Victor Sjostrom (diretor de “A Carruagem Fantasma”, que viria a trabalhar como o protagonista de “Morangos Silvestres”, um projeto idealizado especialmente para ele), que sempre aconselhava o jovem a manter suas cenas simples, Ingmar Bergman já insinuava o tom de tragédia existencial que iria emoldurar vários projetos de sua carreira. Com apenas vinte e sete anos, ele utiliza um mediano melodrama familiar como uma oportunidade para experimentar técnicas e estilos, adaptando a obra “Moderdyret” (Coração de Mãe), de Leck Fischer.

Os executivos da Svensk Filmindustri apostaram no talento do garoto, mas não ficaram muito satisfeitos com os rumos da produção. Sjostrom, com toda sua experiência, foi chamado para ajudar Bergman nesse corajoso primeiro passo. Neste teatro filmado, com clara influência estrutural no trabalho do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, o diretor demonstra seu amadorismo nessa linguagem nova.

Ele, como jovem diretor artístico do “Hälsingborg City Theatre”, ainda não havia aperfeiçoado a técnica de transpor cinematograficamente as suas ideias ainda fortemente teatrais. Já no primeiro minuto, uma narração afirma que as cortinas se abrem, apresentando então a personagem Nelly (vivida por Inga Landgré). A forma simplista como a dicotomia rural (idílico, puro) / urbano (corrompido, ruim) é estabelecida, acaba limitando ainda mais o potencial narrativo da trama.

É interessante notar também a insegurança do diretor, excessivamente dependente de diálogos expositivos. Ferramenta essencial no teatro, mas que pode ser substituída no cinema pelo sábio silêncio, uma arte que ele viria a dominar no futuro.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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