Críticas

“Pai e Filha”, de Yasujiro Ozu, com SETSUKO HARA

Pai e Filha (Banshun – 1949)

Dizem que os dias do casamento é o dia mais feliz da vida de uma mulher, mas Noriko será a noiva mais triste do mundo. Em “Pai e Filha”, a moça se depara com tradições irrefragáveis e, com isso, é obrigada a fazer algo que não deseja. A vida tranquila que tem ao lado do seu pai, de quem cuida desde o falecimento da mãe, vira motivo de preocupação entre seus amigos e familiares.

Este é daqueles filmes em que o real impacto que causa, será sentido somente após o seu fim. Você irá passar alguns dias remoendo o que viu e, com sorte, esta experiência ajudará a redefinir a maneira como vê a vida. Mesmo preferindo as filmografias de Akira Kurosawa e Kenji Mizoguchi, acredito que a real essência, tradição e filosofia do povo japonês estão no trabalho de Yasujiro Ozu. O seu estilo marcado pelo uso constante da câmera baixa evidencia que se os olhos da câmera representam os nossos, estamos em constante admiração, curvados em sinal de respeito, tal qual o próprio artesão de sua obra. Mas além da técnica belíssima, somos brindados com uma história simples e repleta de informações implícitas, que enriquecem a narrativa.

Os personagens mentem constantemente, inclusive para si mesmos, e buscam andar na contramão de suas tradições. A sociedade japonesa da época ditava que as jovens mulheres deveriam casar após certa idade, mas a bela Noriko (Setsuko Hara) não consegue se imaginar fazendo outra coisa senão cuidar de seu querido e viúvo pai (Chishu Ryu). Será preciso que ambos se sacrifiquem para que sejam vistos pela sociedade com apreço.

Óbvio que não irei cometer a heresia de estragar a experiência dos que ainda não conhecem a obra, mas preciso salientar uma cena que considero importante. Durante o filme, Ozu nos apresenta momentos que realçam o leitmotiv: o desejo de Noriko em se manter no conforto de seu lar e o desejo de seu pai em libertá-la, mesmo a contragosto, de seus braços seguros. O ápice deste confronto ideológico e passional se vê alicerçado em uma sutil citação a Nietzsche. Pouco antes de partirem em uma viagem melancólica, pai e filha conversam enquanto preparam suas malas. Noriko triste e resignada então diz: “Pai, eu quero estar sempre ao seu lado.”

Ozu então faz com que, neste exato momento, o pai se prepare para guardar na mala o livro “Assim Falou Zarathustra” (Nietzsche) e como que, inspirado por ele, toma coragem e discursa longamente sobre as razões pelas quais sua filha precisa seguir em frente e se casar, deixar sua companhia e, através de um processo contínuo de superação, tornar-se uma variação do übermensch (homem superior) descrito no livro do filósofo alemão. Os valores passados nesta cena ecoam no espectador por uma vida inteira.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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