Ano Passado em Marienbad (L’Année Dernière à Marienbad – 1961)
Ontem eu revi este que considero um dos melhores filmes de Alain Resnais. O tipo de obra perfeita, intensamente subjetiva, para que pessoas mal-intencionadas exercitem sua arrogância, gritando a plenos pulmões sua ilusória superioridade intelectual.
Garantia do já clássico argumento: “não é para todo mundo”. Estes entendem o cinema como uma espécie de maçonaria, em que o mistério cria o interesse, algum artifício seletivo que, ao invés de unir pessoas, divide, um conceito antagônico à própria arte. Atitude esta que pode nascer tanto do público quanto da crítica especializada, fazendo com que os interessados evitem contato, seja por medo, caso não compreendam, de serem ridicularizados, ou por considerarem que será uma experiência chata, improdutiva.
Aqueles que conseguem vencer o preconceito podem ainda se chocar logo de início com análises textuais feitas por, e para, membros desta maçonaria, complicando ainda mais aquela equação matemática que um bom professor pode ensinar de forma divertida. O que ocorre é que muitos apreciadores necessitam da autoafirmação que ilusoriamente conquistam ao aplaudirem obras mais herméticas. Quando o diretor obscuro se torna popular, suas obras perdem valor. Quem gosta de cinema, valoriza sobremaneira os gêneros normalmente marginalizados por esses apreciadores do próprio ego. O apaixonado por cinema não segrega, ele sente prazer em agregar. Quem vê cinema como maçonaria, ama mais a própria imagem refletida no espelho.
Eu não fiz Sorbonne para realizar a transição entre minhas tardes escapistas com “Rambo” e minhas noites de divagação com Tarkóvski. Como qualquer pré-adolescente cinéfilo, levou tempo para que eu me acostumasse com estilos e ritmos que se diferenciassem daqueles operados em Hollywood, berço de nove entre dez cinéfilos iniciantes. Eu discernia a beleza em “Morangos Silvestres”, de Ingmar Bergman, mas só me apaixonei pelo filme vários anos depois, quando minha maturidade me fez entender plenamente o lirismo da obra. Tal qual um jovem que não possui o hábito da leitura pode achar complicada a estrutura dos versos Homéricos, um adolescente acostumado apenas a ver filmes de narrativa linear e simples, pode sentir estranheza em um primeiro contato com a filmografia de Alain Resnais.
Caso persistam e não se rendam aos medos citados anteriormente, estes irão aos poucos, em seu próprio tempo, apreciar a beleza escondida por trás das sangrentas batalhas da “Ilíada”, do sonhado retorno de Odisseu à Ítaca e, claro, dos olhares desencontrados entre os personagens de “Ano Passado em Marienbad”. A minha intenção é fazer nascer ou expandir a paixão de meus leitores pelo cinema, criando o hábito de vê-lo não apenas como uma opção fútil de entretenimento.
Assim como “Hiroshima Meu Amor”, “Ano Passado em Marienbad” fala sobre memória. O protagonista vivido por Albertazzi, chamado apenas de “X”, aborda uma bela jovem, vivida por Seyrig, denominada como “A”, em uma luxuosa festa em um palácio, afirmando tê-la conhecido no ano anterior e vivido com ela um breve caso de amor. O problema é que ela não se recorda de ter vivido essa experiência. Como de costume nas obras de Resnais, o fascínio não se encontra em sua trama, mas na forma como ela é contada, no estilo empregado em sua narração. Suas cenas aparentemente desorganizadas por uma montagem ousada, que desrespeita qualquer senso de linearidade.
As intenções do diretor são simbolizadas de forma perfeita, por volta dos vinte minutos, no momento em que Delphine Seyrig e Giorgio Albertazzi fantasiam teorias sobre o significado de duas estátuas, de um homem e uma mulher. Um afirma que o gesto da mulher se assemelha a de alguém que está tentando interromper o caminhar do homem, enquanto outro acredita que é o homem que intenciona interromper a mulher. Ambos, assim como o público, chegam a um acordo: qualquer uma das interpretações é válida e justificável, incluindo as várias outras formas possíveis de se analisar o gesto daquelas estátuas. O significado é aberto, como manchas Rorschach, ilimitado, assim como as múltiplas interpretações que o diretor propõe.
Durante o filme percebemos que, em muitos momentos, os coadjuvantes paralisam em cena, como estátuas, e aqueles que conduzem a trama continuam a se mover, por vezes atravessando entre eles, criando um efeito de beleza surrealista. Vozes que são ouvidas em off e não pertencem àqueles que são vistos movendo os lábios, um artifício comum na obra. A confusão inicial joga com a questão da ligação entre áudio e imagem no cinema. Crítica similar, de forma mais popular, logo, mais eficiente, foi feita por Chaplin em filmes como “Tempos Modernos”, em que o vagabundo canta palavras desconexas, e “Um Rei em Nova York”.
A cada revisão, novos detalhes serão percebidos e melhor compreendidos. Um belo poema visual.
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