(Resgato este que foi o meu primeiro artigo profissional, escrito originalmente em 2008 para o extinto veículo: cinema.com.br)
Hoje em dia, mesmo com os avanços realizados no cinema nacional, ainda não podemos dizer que alcançamos uma estabilidade criativa em nossos projetos. Muitos diretores ainda não aprenderam a linguagem da tela grande, ainda muito presos ao estilo de filmagem das novelas, com seus excessivos planos fechados e outros vícios, mas existem cineastas que, além de serem apaixonados pela Sétima Arte, sabem dar o valor merecido aos gênios que vieram antes, sem arrogância.
Existiu uma época em que o Brasil nem constava no mapa do cinema mundial ou aparecia apenas como exótica curiosidade Cult. Houve um homem que enfrentou este panorama, desbravando mares nunca antes navegados, nos deixando um legado eterno chamado “O Pagador de Promessas”. Em 1962, um jovem chamado Anselmo Duarte, ator de filmes como “Sinhá-Moça” e “Aviso aos Navegantes”, resolveu dirigir uma história à frente de seu tempo. Além de dirigir, ele roteirizou (baseado em obra de Dias Gomes) a saga de um homem humilde, Zé do Burro (Leonardo Villar) que, após ver seu burrinho (seu melhor amigo) adoecer, precisa cumprir uma promessa feita em um terreno de candomblé, carregando uma pesada cruz por um longo caminho e deixá-la dentro da igreja de Santa Bárbara, onde a oferecerá ao padre (Dionísio Azevedo) local.
Sempre acompanhado por sua esposa (Glória Menezes), o homem descobre que a missão não é fácil e que o padre não deixará que sua cruz entre na igreja, causando uma comoção imensa na pequena cidade. Com um roteiro ousado e muito inteligente, Anselmo realizou um feito até hoje não repetido: trouxe ao Brasil a Palma de Ouro no Festival de Cannes, além do prêmio especial do júri no Festival de Cartagena na Colômbia, o Golden Gate de Melhor Filme no Festival internacional de San Francisco e foi indicado ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. Ao voltarem ao Brasil, o diretor e sua equipe foram recebidos com um desfile público em carro aberto. O filme não apenas levou o prêmio máximo, ele mereceu ganhar.
Infelizmente a carreira de Anselmo após o projeto foi prejudicada por divergências ideológicas e inveja no próprio meio profissional e ele não obteve mais o mesmo sucesso. Ele faleceu praticamente esquecido pelo seu próprio povo em 2009, aos oitenta e nove anos, após ter sofrido um acidente vascular cerebral hemorrágico. Seu legado para o cinema nacional é eterno, mesmo com a fraquíssima memória do brasileiro, que tende a somente valorizar as novidades, esquecendo-se assim de quem ousou outrora, sem muito patrocínio, décadas antes de nosso cinema virar um monopólio.
Anselmo Duarte e seu “O Pagador de Promessas” é uma lição a todos os que pretendem fazer cinema por aqui e aos que ainda hoje, décadas depois, colocam a culpa pelo pouco público na falta de investimento, mascarando incapacidade criativa com uma confortável vitimização.
Anselmo ensinou como um brasileiro pode ir sozinho para Cannes e, mesmo competindo com indústrias mais evoluídas e estabelecidas, trazer o prêmio máximo: “Faça melhor.”
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