Amor (Amour – 2012)
O ato de desaparecer, minguar sereno em direção ao grande desconhecido, sentindo cada vez mais pesada a luz cálida do amanhecer, por sabê-la representar a incontestável evidência de que mais uma noite terminou. Como se preparar para exercitar este desapego pessoal?
Aquela complexa máquina que sempre agia em harmonia com seus desejos, quando menos se espera, começa a desaprender dia após dia um antigo hábito. A inefável sensação de impotência perante as coisas mais simples, como afugentar um pombo que adentra por uma janela, torna as noites cada vez mais bucólicas. Até o momento em que você não distingue mais a noite do dia, o real do imaginário, sobrando apenas o amor.
Michael Haneke consegue traduzir em imagens, sem nenhuma insinuação de melodrama, esta mixórdia de sentimentos. Iniciando por estabelecer um calculado choque sensorial, somos logo apresentados ao casal (vivido por Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant) de professores de música octogenários. A câmera não nos ajuda a reconhecê-los no meio de uma plateia lotada, fazendo-nos buscá-los rosto a rosto. Quando enfim os encontramos, nada mais desvia nossa atenção. A sutileza na ternura do olhar que o homem direciona à sua companheira, emocionada após o início do concerto de piano com um tema de Schubert, diz praticamente tudo que precisamos saber sobre aquela relação. A partir daquele momento seremos testemunhas do último ato dos dois no teatro da vida.
O diretor austríaco escolhe filmar este réquiem em um apartamento modelado com exatidão para simular o de seus pais, ambiente cuja geografia conhece de olhos fechados, transparecendo a atmosfera de intimidade necessária para que suas câmeras se tornassem uma extensão de seu coração. Nós passamos a maior parte do tempo naquele ambiente, enclausurados, como o casal, entre as quatro paredes. Identificamo-nos e, em certos momentos, desejamos desviar os olhos, mas não temos a mesma opção da filha (vivida por Isabelle Huppert).
Ela os visita esporadicamente, buscando separá-los com o triste conforto dos asilos, afastá-los como problemas a serem resolvidos. Reparem no detalhe de como o homem conduz sua amada pela casa, com passos lentos e trôpegos, porém abraçados como se daquele gesto lhes valesse a vida. Agarrados um ao outro, percorrem aquele espaço outrora tão pequeno, como se desbravassem um oceano revolto. Quanto mais buscam nadar em direção à costa, mais as ondas os carregam para trás.
“Amor” é corajosamente simples em sua estrutura, mas conta com o auxílio de dois excelentes intérpretes e um tema difícil, conduzido com elegante objetividade por parte do autor. Quando não se distingue mais o amor da indiferença, Haneke direciona seus personagens para uma conclusão inesquecível, o supremo ato de quem verdadeiramente ama: desapegar.
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Só em ler já me emocionei....