O Homem de Aço (Man of Steel – 2013)
Com a iminente destruição de Krypton, seu planeta natal, Jor-El e sua mulher procuram preservar a raça enviando o filho recém-nascido para a Terra. A nave espacial da criança aterrissa na fazenda de Jonathan e Martha Kent, que o batizam de Clark e o criam como seu próprio filho. Apesar das habilidades extraordinárias levarem o Clark adulto a viver à margem da sociedade, ele precisa se tornar um herói para salvar aqueles que ama de uma terrível ameaça.
O maior acerto da produção é, por incrível que pareça, a atenção dada ao aspecto alienígena do herói. Como a população da Terra reagiria caso descobrisse que não estamos sozinhos no universo? Infelizmente, a questão é pouco explorada, limitando-se a mostrar as pessoas olhando assustadas para o céu. Com certeza, o susto faria parte desta revelação, mas o roteiro poderia trabalhar o impacto desta descoberta, potencializando ainda mais as importantes escolhas finais do protagonista. A subtrama do Codex poderia ter sido mais bem desenvolvida, já que é parte essencial no plano do vilão, mas acredito que o conceito receba maior atenção na sequência.
Zack Snyder e Christopher Nolan buscaram a mesma verissimilitude de Richard Donner, mas com uma proposta totalmente diferente. Estruturalmente, o filme se assemelha ao “Batman Begins”, com a inserção de vários flashbacks. Este formato atrapalha a conexão emocional, mas não creio que a intenção era ser um filme emocionante, e deixa tudo muito didático. Quando menos esperamos, começa a pancadaria desenfreada. Seria ótimo se, ao invés de quarenta minutos de ação ininterrupta (tecnicamente excelente, vale salientar), tivessem cortado uns vinte minutos da exibição de CGI e dedicado esse tempo no melhor desenvolvimento dos personagens secundários, suas motivações.
Algumas linhas de diálogo expositivo não são suficientes para que sintamos algo por um personagem (e isto é crucial, por exemplo, na relação que se estabelece entre Clark e Jonathan Kent). E mesmo as caricaturas, como era o caso do Perry White no filme clássico, precisam ser carismáticas. Caricaturas austeras tendem a ser apagadas ao menor sinal de luz.
A impressão nítida é de que havia cenas importantes que foram suprimidas, especialmente com Perry White (Laurence Fishburne) e a estagiária vivida por Rebecca Buller. Toda uma sequência dramática no terceiro ato é comprometida simplesmente por não termos nenhuma conexão emocional com os personagens. A Lois Lane de Amy Adams é um amálgama da sua contraparte investigativa escrita por John Byrne, com a sua contraparte vivida por Erica Durance na série “Smallville”. A relação que se estabelece entre os dois, ainda que possa ser considerada por alguns um desvio desrespeitoso, vejo como uma inversão coerente e que pode proporcionar momentos interessantes na sequência.
Russel Crowe (Jor-El) possui muito mais tempo em cena que Kevin Costner (Jonathan Kent), o que evidencia o enfoque no elemento alienígena. Acho que isto foi o causador de grande parte das reclamações dos críticos estrangeiros, pois eles buscavam a humanidade terna e alegre do personagem vivido por Reeve nos filmes clássicos. Costner não consegue, com poucos diálogos, fugir do estereótipo. Mas ele possui o carisma necessário para disfarçar o problema. Já Diane Lane (Martha Kent), recebe maior atenção no roteiro, com pelo menos duas cenas em que sua personagem, a despeito dos fracos diálogos, foge da caricatura.
Michael Shannon (Zod) consegue emular o exagero canastrão imortalizado por Terence Stamp, mas com camadas de subtexto nas cenas em que fica preso ao fraco diálogo. Quando o roteiro não ajuda, um bom ator consegue transformar uma frase comum em algo espetacular. A bela Antje Traue (Faora) hipnotiza o espectador em cada cena, sem o subtexto que é perceptível nas cenas de Zod, já que ela é uma máquina eliminadora sem emoção. Ela é um espelho perfeito de como Kal-El poderia ser, caso nunca houvesse saído de Krypton.
Henry Cavill transmite a força que o personagem demanda, mas não com a elegância de Reeve. Mas é importante esclarecer que o herói que ele interpreta neste filme não é o mesmo “Superman” que Reeve defendia, mas sim, um deslocado estranho em uma terra estranha, buscando entender a si próprio (muito bacana o detalhe do livro de Platão que aparece em suas mãos) e se sentir abraçado. Um herói em desenvolvimento, que ainda age por impulso e pode errar.
Dizer que as atitudes dele não são coerentes com a mitologia do personagem é um equívoco. Ao contrário do que muitos pensam, “Superman” é um herói que foi constantemente modificado, dependendo da equipe criativa nos quadrinhos ou do interesse dos realizadores das versões em desenho ou live action. Ele não voava até Max Fleischer decidir que seria visualmente mais interessante em suas animações, dois anos depois da criação do personagem. A “Kryptonita”, por exemplo, só foi criada nas aventuras da rádio, sendo depois inserida nos dois seriados de cinema com Kirk Alyn e nos quadrinhos.
Cada autor realizou pequenas ou grandes modificações, seja para atualizá-lo ou torná-lo mais interessante para públicos-alvo diferentes. David S. Goyer e Christopher Nolan não somente respeitaram a essência do personagem, como arriscaram inserir nuances que aprofundam ainda mais suas motivações. Se eu tivesse que selecionar a obra nos quadrinhos que melhor espelha este retorno às telas, seria: “Terra Um – Volume 1” (de J. Michael Straczinski), ainda que seja possível perceber forte influência de outras, como a fase escrita por John Byrne, “Origem Secreta” (de Geoff Johns), “O Legado das Estrelas” (de Mark Waid) e “All-Star Superman” (de Grant Morrison).
A trilha sonora de Hans Zimmer utiliza sem timidez um grupo de bateristas, auxiliando na catarse dramática, mas poderá frustrar aqueles que buscam a conexão emocional e nostálgica com a fanfarra épica de John Williams. Não existem temas definidos para cada ambiente, somente duas linhas facilmente distinguíveis: Kal-El e Clark Kent, artificialidade e humanidade. Excelente a utilização do solo de guitarra de George Doering, em alguns momentos, mas não é exatamente algo novo na carreira do compositor, os mais atentos irão captar certa semelhança com a trilha de “Maré Vermelha”, por exemplo.
“O Homem de Aço” possui vários problemas em sua estrutura, mas é eficiente em sua proposta e estabelece um caminho promissor para a sequência, que se seguir a fórmula de Christopher Nolan, será melhor. Algo me diz que esta possível trilogia será encerrada em um tom emotivo e com foco na ação, com a utilização do vilão “Apocalypse”.
Cotação:
Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…
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Amigo Octavio Caruso, considero "O HOMEM DE AÇO" obra ímpar, que destoa, e muito, do lugar-comum dos Super-heróis. Temos um protagonista que, tal qual o Verbo Divino, "fez-se carne" e habitou entre os seres humanos. A estratégia de Snyder em pontuar a preocupação do Senhor Kent com que o "filho" fosse, por ser diferente, alvo de marginalização por parte da sociedade é um dos pontos, através dos quais a trama se engrandece. Tanto que, na derradeira hora, este prefere a morte a expor as "anomalias" de Clark. Mesclar os filmes SUPERMAN e SUPERMAN II foi também uma grande estratégia. Há muito de caricato nos personagens do segundo filme, que, com Snyder, caem por terra. o que enriquece o filme, ao colocar o General Zod, não como um vilão, mas sim como alguém que sentiu-se injustiçado e traído pelos seus. Tanto que, se pensarmos, ele não está tão equivocado com aquilo a que almeja. A humildade de Kal'El, principalmente na hora em que este é confrontado pelas autoridades terrenas é tocante, ao ponto de nos remeter a Jesus diante de Pilatos. MAN OF STEAL é, enfim, uma obra a qual o tempo fará justiça e, particularmente, considero com pesar o fato de não haver tido um seguimento.