Críticas

“O Samurai”, de Jean-Pierre Melville

O Samurai (Le Samourai – 1967)

Jef Costello (Alain Delon) é um criminoso metódico que procura seguir o Bushido, o código de honra samurai, na Paris dos anos 60. Seus atos são cuidadosamente planejados nos mínimos detalhes e ele nunca foi surpreendido em ação. Uma noite, porém, ele é flagrado por uma testemunha durante uma execução. A partir de então tudo muda…

O mundo estava impactado na década de sessenta com os trabalhos de Akira Kurosawa e Hiroshi Inagaki, com vários cineastas adotando a filosofia oriental como base para seus trabalhos. John Sturges homenageou “Os Sete Samurais” em “Sete Homens e Um Destino”, Sergio Leone idealizou sua versão para “Yojimbo” em “Por Um Punhado de Dólares”, mas foi o francês Jean-Pierre Melville que melhor captou a essência dos códigos de ética e conduta do Bushido, sem copiar um molde pronto e ousando inserir na equação elementos do Noir, realizando uma homenagem com muita personalidade.

O diretor já brincava de Tarantino, antes do americano sair das fraldas, utilizando referências visuais diretas e desconstruindo-as com coragem. Não é coincidência que o filme seja um dos favoritos do criador de “Pulp Fiction”.

Ele transpira em sua estrutura uma crítica aos próprios medalhões da Nouvelle Vague, demonstrando a insatisfação de Melville com o movimento, uma consequência natural de seu desentendimento com Godard, amigo de longa data, que com “Viver a Vida” abraçava um estilo que o colega crítico não considerava como “cinema”.

Melville estava conscientemente se afastando daqueles profissionais, que já executavam mecanicamente um pastiche de algo que outrora havia sido esteticamente revolucionário, ele estava aceitando o fato de que era um lobo solitário, um tigre em uma floresta, como o protagonista Jef Costello, vivido por Alain Delon.

E este sentimento de inadequação, tão real fora das páginas do roteiro, acabou sendo transposto para a obra, que respira contestação em cada cena. As manobras de Jef para escapar da perseguição da polícia pelo metrô são um exemplo perfeito da recusa do cineasta pelo tédio intelectualoide, uma construção refinada de suspense que bebe generosamente da fonte dos grandes filmes americanos policiais da década de 30.

A fotografia de Henri Decaë evidencia uma Paris cinza, decadente, uma realidade que eleva por contraste a presença austera de Jef, com seu indefectível impermeável, um alienígena na real acepção da palavra ou um herói de quadrinhos dos anos 40, perdido em tempo e espaço.

Nós somos levados a entender que todos os inocentes possuem parcela de culpa, enquanto toda culpa carrega essencialmente em suas motivações uma parcela de inocência. Esta ambiguidade que atinge todos os personagens é o que enriquece a obra em revisões.

Fiel ao código de honra, Jef sabe que é um animal em extinção numa floresta de cínicos, mas cabe a ele decidir se afastar coerente à maneira que viveu, fazendo o seu desleal oponente acreditar que teve alguma parcela de culpa em seu ocaso. Ao perder, ele acaba ganhando.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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