Um Lance no Escuro (Night Moves – 1975)
O detetive particular Harry Moseby (Gene Hackman) é contratado por uma atriz decadente de Hollywood, vivida por Janet Ward, para investigar o desaparecimento de sua filha, que teria fugido para a Flórida. Ele vai atrás da moça para tentar trazê-la de volta, e acaba descobrindo uma série de histórias mal explicadas.
Alguns podem se lembrar do filme pelos excelentes diálogos do roteiro de Alan Sharp, como a esperta utilização do caso Kennedy como argumento em uma discussão, ou a definição dada pelo protagonista para as obras do diretor francês Eric Rohmer: “Seus filmes são como ver a tinta secando na parede”, enquanto outros nunca irão se esquecer da sensualidade de uma jovem Melanie Griffith, mas o maior mérito do filme, possivelmente o melhor na carreira de Arthur Penn, foi ajudar a revitalizar o Noir em sua essência mais desconcertante, com uma trama tão confusa quanto a do clássico “À Beira do Abismo”, apresentando um detetive, vivido impecavelmente por Gene Hackman, que se mostra incapaz de compreender o escopo da sórdida armadilha em que está se metendo.
O ator, que possui a qualidade de transmitir uma fragilidade facilmente identificável, deixa transparecer gradativamente em sua postura corporal a dor que acomete seu personagem. Ele decide se tornar um detetive para evitar analisar a si próprio, evitar se encarar no espelho, passando então a investigar detalhes da vida dos outros, compensando profissionalmente a triste constatação de ser miseravelmente culpado pelas mazelas em sua vida, como a traição de sua esposa, vivida por Susan Clark.
A angústia do gênero encaixou perfeitamente nos anseios do público desiludido americano pós-Watergate, uma crueza que é captada pela lente da fotografia realisticamente brutal de Bruce Surtees, responsável por Dirty Harry e Lenny, realizando milagres com o baixo orçamento.
A metáfora visual que define o filme, a última cena, brilhantemente finaliza o arco narrativo do personagem, que, assim como nós, aceita estar totalmente desorientado. Esta é a beleza das tramas dos melhores Noir, inserir o protagonista em um cenário tão corrupto e lamacento, desprovido de virtudes, que a possibilidade da finitude acaba se tornando a mais acalentadora, exatamente por trazer com ela a liberdade.
“Um Lance no Escuro” é uma pérola que merece ser redescoberta.
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