O Lobo Atrás da Porta (2013)
Este filme é um raro exemplo de perfeição em todos os quesitos, do elenco principal ao coadjuvante, da fotografia excelente de Lula Carvalho à montagem, da trilha sonora ao roteiro e direção. Uma trama que envolve, ilude, manipula e surpreende, com exibição de pleno entendimento na linguagem utilizada.
O roteiro do diretor Fernando Coimbra, estreando de modo promissor com a coragem de um Michael Haneke, ousa trilhar o caminho do cinema de gênero com personalidade, desobedecendo a uma informal cartilha que é passada a todos os estudantes da área e que incentiva de maneira simplista o desprezo por gêneros como medíocre enlatado estrangeiro, escondendo a incompetência e o medo de errar na prática de aperfeiçoamento das fórmulas.
O filme é autoral e minimalista, mas inteligentemente não é anti-indústria. O impactante resultado incita naturalmente o boca a boca no espectador, mérito exatamente das convenções do gênero bem executadas que a obra abraça. A história em si, um suspense que pode remeter a clássicos como “Atração Fatal”, não é particularmente original, mas a forma como a câmera rejeita qualquer gordura extra, focando-se no quebra-cabeça que se estabelece logo no início, demonstra necessária segurança e não o complexo de inferioridade usual em tentativas nacionais similares nas quais os cineastas buscam transformar qualquer fiapo de trama em algo esteticamente revolucionário.
Até mesmo os alívios cômicos representados principalmente pelo colega de trabalho do protagonista e pela comediante Thalita Carauta, elementos que costumam existir numa realidade paralela à trama, funcionam como movimentadores da narrativa principal. E é válido salientar que somos apresentados a personagens tridimensionais, com motivações bem fundamentadas, algo que não é essencial no gênero – que permite sem maiores problemas as caricaturas, tal como no já citado “Atração Fatal”. Até mesmo o personagem vivido por Emiliano Queiroz, aparecendo pouco e sem dizer uma palavra, acaba se mostrando narrativamente essencial no entendimento do enigma comportamental que envolve a protagonista.
Eu não sei por onde começar os elogios às atuações de Leandra Leal e Milhem Cortaz. A bela e talentosa atriz entrega um desempenho assustador, transmitindo na sutileza de olhares a vulnerabilidade da personagem, atravessando os diversos estágios psicológicos de seu arco narrativo, indo da doçura à intensa crueldade em questão de segundos.
Cortaz continua sendo uma força da natureza, praticante da difícil arte de fazer todos os diálogos do roteiro soarem como improvisos naturais, sempre com um toque de ironia. Ele vive um homem preso em um relacionamento desgastado, que acaba encontrando a injeção de ânimo no arriscado desafio amoroso que enxerga numa jovem que conheceu num transporte público, um simbólico motivo condutor do roteiro e que se apresenta desde os créditos iniciais até o desfecho, representando o fator desconhecido que se esconde nas várias encruzilhadas decisórias diárias na vida de todo indivíduo.
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