Vidas Secas (1963)
A esperteza da fotografia de Luiz Carlos Barreto, com lente nua, sem filtros, deixando a luz estourar, esmagando os personagens no terreno escaldante.
O angustiante ranger das rodas do carro de boi é a ensurdecedora trilha sonora, colocando o espectador num estado alterado, desconfortável, imediatamente imerso na realidade desesperadora da família de retirantes sertanejos.
Numa adaptação fiel à obra de Graciliano Ramos, o diretor Nelson Pereira dos Santos consegue reter o essencial e transcender de forma poética a mensagem das páginas, como na bela sequência onde o filho mais velho questiona os pais sobre o significado da palavra “inferno”.
A mãe, Sinhá Vitória, vivida por Maria Ribeiro, responde ríspido como quem tenta afugentar a dor, dizendo que é um lugar ruim demais, antes de agredir o filho. O que poderia ser pior do que a realidade que o menino já enfrentava de sol a sol? Ele então, com uma maturidade adquirida precocemente, passa a identificar com tristeza o inferno na paisagem que o rodeia.
O pai, Fabiano, vivido por Átila Iório, tenta continuar vivo naquele ciclo sem fim de desolação, consciente de que nunca irá estabelecer moradia pelo tempo suficiente de se acostumar com o conforto que a sombra oferece ao seu corpo castigado.
Mas ele precisa iludir diariamente para sua mulher, induzindo ela a crer por um prazeroso momento que eles só precisam andar mais um pouco, que em breve o infinito horizonte trará algo mais que oportunidades de injusta exploração de sua mão de obra; ele precisa também se forçar a acreditar que será reconhecido como um indivíduo, ele precisa acreditar que não é um bicho.
A sua mulher, motivada pela fome, não pensa duas vezes antes de comer o papagaio que era de estimação. Há apenas o impulso primitivo animal.
A sua cadela Baleia, como fica claro no livro, representa o elemento humano, recusando-se a tombar mesmo após receber o tiro de misericórdia. A poderosa cena que emociona nas duas mídias pode ser tida como a mais simbólica.
O personagem cujo nome traduz a esperança daqueles que sobrevivem na seca, uma baleia em busca da água como o sertanejo que busca o conforto da cidade, ambos tentando escapar da metafórica mira do fuzil. As patas que outrora se esforçavam para garantir o alimento de seus entes queridos, agora não conseguem mais suportar o peso do macilento corpo.
Enquanto o menino aprende o que é o inferno, a cadela é a única na família que é presenteada com um vislumbre do paraíso, segundos antes de cerrar para sempre seus olhos cansados, admirando um grupo de preás que parecem convidá-la ao jogo da caça.
O convite para se manter vivo, apesar de tudo.
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Boa tarde Octávio Caruso!
Que belo texto sobre uma Grande Obra!
Muito obrigado pelo importante Trabalho, que tu desenvolves. Tua Coluna no Facebook é um Oásis no meio de tanta inutilidade, que as pessoas postam e consomem nas redes sociais.
Lendo teu texto sobre o filme Vidas Secas, fiquei tocado, e as lágrimas escorreram. De tristeza pela História do Filme, e consequentemente do Livro, e também pelo fato de que ambos se mantém muito atuais, e não retratam algo.do distante passado.
Que tu possas continuar com este importante Trabalho, calcado na Paixão pelo Cinema, e que nos traz não apenas conhecimento, mas muita reflexão. Muito obrigado, e grande abraço!
Grato demais pela gentileza, Artemio. É um prazer ler uma mensagem como a sua, faz valer o esforço diário.
Abração!