Bem-Vindo a Nova York (Welcome to New York – 2014)
Ao som de uma versão ironicamente amarga da patriótica canção “America the Beautiful”, somos apresentados a uma montagem inicial que conecta cenas de pontos turísticos de Washington com a prensagem de cédulas.
O diretor Abel Ferrara já demonstra que não é afeito a sutilezas. O roteiro se inspira livremente num notório caso de escândalo ocorrido em 2011, envolvendo o antigo chefe francês do Fundo Monetário Internacional, candidato à presidência, e a empregada de um famoso hotel americano, utilizando o evento de forma sóbria como alegoria para a relação universal entre lascívia e poder.
O protagonista, vivido por Gérard Depardieu, gozava de alta respeitabilidade, mesmo tendo uma personalidade repulsiva, com muito mais dinheiro do que poderia contar, logo, toda facilidade do mundo para conseguir comprar prazer com qualquer beldade que desejasse. O interesse de Ferrara está na busca pelas razões psicológicas que levariam um homem como ele, em sã consciência, a arriscar destruir sua imagem ao tentar agredir uma simples empregada de um hotel.
O primeiro ato do filme mostra Devereaux (Depardieu) vivendo uma rotina hedonística, depravada, mas parecendo anestesiado, como se aquelas mulheres fossem o alimento genérico que é jogado diariamente na jaula de um animal selvagem, incapaz de se autocontrolar.
Como o conceito de poder conquistado na sociedade incita o homem a involuntariamente externar seu domínio, sentindo maior prazer ao oprimir, inclusive horizontalmente, aqueles que não possuem voz. Ao ser literalmente enjaulado após a acusação pelo crime, ele é despido pela autoridade policial de forma lenta, uma cena que contrasta com as anteriores, revelando a triste realidade por baixo das camadas mentirosas do status social.
O resultado final pode ser visto como um ótimo complemento, nada comprometido com as convenções mainstream, para a visão irônica de Martin Scorsese em seu “O Lobo de Wall Street”. Não há a intenção questionável de tornar o protagonista um anti-herói divertido, não há alívios cômicos, apenas o retrato frio de um monstro. E, tão interessante quanto, analisa o papel da esposa, vivida impecavelmente por Jacqueline Bisset, que vive uma relação solidificada estrategicamente na ambição pela ascensão social.
O elemento que parece ser o leitmotiv aparece brevemente numa metalinguística sequência pré-créditos, em que vemos o ator Depardieu afirmando a jornalistas que aceitou o papel por odiar políticos.
Não existe função social que esteja mais intrinsecamente ligada à relação entre lascívia e poder, o berço da corrupção de caracteres, lugar onde o altruísmo é ilusão, universo para o qual os monstros se sentem atraídos e, aparentemente, se sentem mais confortáveis.
O dedo de Ferrara está apontado, ainda que trêmulo e inseguro, nesta direção.
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