Críticas

“O Rei e o Cidadão”, de Joseph Losey, com DIRK BOGARDE

O Rei e o Cidadão (King and Country – 1964)

Durante a Primeira Guerra Mundial, um soldado é acusado de deserção. O oficial designado para defendê-lo na corte marcial passa a investigar a situação e descobre que existem muitos fatores obscuros no caso.

Poucos diretores souberam captar a crueldade humana como Joseph Losey, com um interesse investigativo naquilo que motiva alguém à sordidez, um olhar calculado e impiedoso. A forma como trabalha a câmera, sem exibicionismo, exercitando sua capacidade de síntese imagética em seus enquadramentos, abusando das fusões como representação quase onírica do que escapa ao texto, evidenciando que seu interesse está nas entrelinhas, uma entidade própria, como a consciência daqueles personagens que são analisados psicologicamente com sua lupa.

A angústia do soldado tido como desertor, inserido em um julgamento em que está à mercê do critério de loucos com autoridade sobre seu corpo, sendo defendido pelo personagem vivido por Dirk Bogarde, um capitão que já se mostra totalmente frustrado com aquele sistema que produz jovens heróis tombados e esquecidos na lama, comidos por ratos, mas, ao final do dia de batalha, simples estatística na mesa dos superiores.

O roteiro transpõe com perfeição o ambiente claustrofóbico da vida nas trincheiras na Primeira Guerra Mundial, com foco na breve, porém intensa, relação que se estabelece entre o condenado e seu defensor. Para os loucos que anseiam por extravasar seus complexos com mais um disparo, pouco importa que o soldado tenha servido com eficiência durante longos três anos, atravessado um inferno diário.

Não há como sustentar valores como o respeito ou lógica em um sistema absurdo em que a vida de um indivíduo é descartada em nome de uma subjetiva noção de paz. E Losey deixa claro seu entendimento dessa mensagem na forma como escolhe iniciar sua obra, fundindo a imagem de um monumento aos heróis de guerra com a desolação de corpos sem vida largados em um campo enlameado.

A trama nunca mostra o que ocorreu para conduzir a vítima ao julgamento, como obras similares fariam no intuito de introduzir o melodrama, a câmera segue perseguindo os atores em cena, até o impactante desfecho. E, mesmo neste momento de catarse, Losey decide se focar no soldado do pelotão de fuzilamento que, ao escutar a ordem para atirar, sutilmente move sua mira para longe do colega.

Neste breve ato, o roteiro declara a esperança em um futuro em que os homens percebam o equívoco inerente à mitificação de pobres coitados que jogam fora suas vidas em nome da mentira de uma guerra.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

Recent Posts

Crítica de “Gladiador 2”, de Ridley Scott

Gladiador 2 (Gladiator 2 - 2024) Lúcio (Paul Mescal) deve entrar no Coliseu após os…

6 dias ago

PÉROLAS que ACABAM de entrar na NETFLIX

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

7 dias ago

PÉROLAS que ACABAM de entrar na AMAZON PRIME

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

7 dias ago

Dica do DTC – “Agnaldo, Perigo à Vista”, com AGNALDO RAYOL

No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não…

2 semanas ago

PÉROLAS que ACABAM de entrar na NETFLIX

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

2 semanas ago

Dica do DTC – “Pedro Páramo” (1967), de Carlos Velo

No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não…

2 semanas ago