Um Grito no Escuro (A Cry in the Dark – 1988)
Nenhum corpo, motivo ou arma. Os fatos, no caso australiano real do crime que envolveu Lindy e Michael Chamberlain, não se encaixam. Mas outras coisas sim: intolerância com a religião do casal. Um argumento retórico tomado como fato. E uma histeria que pareceu, em plenos anos 80, a caça às bruxas de Salem. Lindy vive um pesadelo e ainda precisa suportar uma farsa montada no tribunal e na mídia.
Ao rever após vários anos, fiquei impressionado com a relevância atemporal do filme dirigido por Fred Schepisi, um poderoso soco no estômago daquela parcela irresponsável da imprensa que se nutre de sangue e lágrimas, promovendo circos públicos no intuito de vender mais jornais ou conquistar melhores índices de audiência.
O roteiro se desenrola na estrutura convencional dos dramas de tribunal, com Meryl Streep, em momento inspirado, reservando toda a revolta de sua personagem nos olhos, evidenciando a naturalidade de suas atitudes imediatamente posteriores à tragédia, uma ingenuidade que foi utilizada implacavelmente pelos jornalistas. Este é o foco da trama, o elemento que evitou que o produto ficasse datado.
A obsessão da mídia no caso foi brutal, com todos os programas de variedades tentando extrair de suas plateias uma reação, formadores de opiniões equivocadas e imediatistas. Como o sensorialmente morno não impede que o espectador troque de canal ou largue o jornal na mesa e procure outra forma de entretenimento, eles gradualmente manipularam as matérias para incitarem reações extremas, no caso, o ódio.
Como o marido, vivido por Sam Neill, exercia uma vida de dedicação à sua crença religiosa adventista, não demorou muito para que os jornalistas estimulassem no público a possibilidade de que a bebê tivesse sido sacrificada pela mãe em um ritual.
A justiça, trabalhando ainda sem o clamor popular, acreditou na óbvia inocência do casal, que era visto pelo povo com simpatia, mas a imprensa não descansou enquanto não arruinasse a vida dos dois, fazendo com que a opinião pública se virasse contra uma mãe desesperada.
A forma como o roteiro, do próprio diretor, insere frequentemente a opinião de pessoas comuns, que analisam o evento codificado pelos interessados no caos, mas com discursos rasos alicerçados em verdades absolutas, como se conhecessem intimamente aqueles estranhos, traz ainda mais profundidade à questão central.
Após a sessão, fica a reflexão do quão perigoso é julgar sem fatos. O erro da certeza que nasce após a leitura de uma manchete sensacionalista, algo tão atual em nossa realidade imersa nas redes sociais.
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