A Trapaça (American Hustle – 2013)
Desde os primeiros segundos, percebemos estar diante de uma homenagem ao trabalho de Martin Scorsese, com alguma inspiração também nos trabalhos de Preston Sturges (a personagem de Amy Adams, Sydney, é uma óbvia referência à vivida por Barbara Stanwyck em “As Três Noites de Eva”) e Ernst Lubitsch.
Pena que seja apenas uma reverência estética, já que falta ao David O. Russell a coragem e o estofo cultural de Scorsese, assim como a sagacidade cômica refinada de Sturges e Lubitsch.
Existem pequenos momentos em que a naturalidade na atuação, mérito especialmente de Jennifer Lawrence (Rosalyn), aponta claramente um potencial desperdiçado no excesso de glacê industrial. Exemplo perfeito de obra que somente recebe alguma atenção especial por constar na lista de indicados de eventos calcados em lobby.
O roteiro, de Eric Singer e do próprio Russell, é bastante confuso, logo, o único elemento que impede a dispersão da atenção durante a longa duração é o jogo cênico entre os atores. E o desequilíbrio nesse aspecto se torna então um grave problema.
Christian Bale (Rosenfeld), excelente em cena, consegue fugir da caricatura que sua figura parece impor, transmitindo humanidade/vulnerabilidade em detalhes sutis que um ator competente insere em diálogos sem muito brilho.
O mesmo não se pode dizer de Bradley Cooper (Richie), que continua não demonstrando em cena os motivos que o levaram a ser alçado das comédias tolas ao status de um dos melhores atores do ano, todos os anos. É basicamente o mesmo personagem de “O Lado Bom da Vida”, com barba e o cabelo do Justin Timberlake, simplificando um arco narrativo que parece muito mais interessante nas páginas do roteiro.
Ele parece não saber interpretar o meio termo entre um homem apático e um neurótico, evitando também o necessário humor, como se quisesse desesperadamente fugir do estereótipo que mantinha em projetos anteriores. Assistir ao “embate” cênico de Bale e Cooper é como testemunhar o encontro entre um ator muito experiente e um esforçado recém-saído de um reality show. O comediante Louis C.K., fora de sua zona de conforto e com menos tempo em cena, acaba entregando uma interpretação com mais camadas, muito mais satisfatória.
A caracterização exagerada acaba servindo como uma das poucas metáforas que funcionam, ressaltando logo nos primeiros minutos, em que vemos o personagem de Bale calmamente arrumando o que resta de seu cabelo, a frágil artificialidade que sustenta a confiança destas fraudes ambulantes, leitmotiv que poderia ter sido mais bem trabalhado.
Como havia citado anteriormente o glacê, finalizo dizendo que “A Trapaça” é um bolo vistoso com os ingredientes certos, calculados com precisão para o reconhecimento em premiações, mas com prazo de validade muito curto.
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