Deus Ama Uganda (God Loves Uganda – 2013)
Excelente documentário, que deveria ser visto obrigatoriamente pelos brasileiros. Nossa realidade não está distante desta que o trabalho do diretor Roger Ross Williams apresenta sobre a Uganda. Após a saída do ditador Idi Amin Dada, os evangélicos americanos notaram a incrível fonte de renda que essa nação poderia ser. A oportunidade de se instalarem em um local culturalmente em transição, onde metade da população era jovem o bastante para aceitar novas regras, sendo carentes emocionalmente e sem condições básicas de saúde e moradia. Em uma excelente transição, logo após as câmeras mostrarem a pobreza em que vivem as pessoas, somos levados para uma revoltante cena de coleta em uma das igrejas, mas apenas o tempo suficiente para que nossa indignação siga em crescendo até a próxima imagem, que silenciosamente surte o efeito de um soco no estômago: a refinada mansão onde vive o pastor evangélico.
Dividindo-se entre a aventura dos jovens missionários e a triste consequência da doutrina de exclusão que defendem, acabamos nos surpreendendo com momentos que beiram o nonsense das melhores esquetes do Monty Python. A diferença é que são reais e provavelmente se repetem diariamente no templo ao lado de sua casa. Como a cena onde um pastor explica a rejeição aos homossexuais com uma exibição de slides, onde homens são vistos praticando sexo, enquanto a plateia berra apavorada. Não é muito mais absurdo que o pastor que assistimos na nossa televisão, vendendo no horário do almoço um pedaço do tecido de seu terno, como se aquilo fosse curar doenças. Homens que praticam uma lógica distorcida, manipulando inclusive a política.
O documentário também causa gargalhadas involuntárias, como quando uma missionária evangélica revela que sentia desejos sexuais por mulheres em seu passado, após ter sido mostrada durante todo o primeiro ato pregando duramente contra os homossexuais. A obra manipula muito bem nossas emoções, fazendo-nos rir de um absurdo desses, mas em seguida nos encaminha para a tristeza de um estúpido assassinato causado por homofobia. Percebemos que não há motivo algum para rir, apenas devemos nos envergonhar de uma sociedade que se encaminha a passos largos e de mãos dadas ao ódio e a segregação. Rumo à extinção do “homo – não tão – sapiens”.
Viemos em Paz (We Come as Friends – 2014)
O maior mérito desse documentário, dirigido por Hubert Sauper, é a montagem, que, aliada à organicidade na
abordagem do tema, evitando pesar a mão no discurso didático, conduz o
espectador sem forçar seus olhos em qualquer direção, deixando-o absorver a
informação passada e formar sua própria opinião. O diretor levou sua equipe
para o Sudão em 2011, no momento em que ele estava prestes a passar por uma
grande cisma, com a parte sul afirmando sua independência.
Ele visitou áreas dominadas por interesses externos, invariavelmente em
detrimento de seu próprio povo. Uma invasão desumana que, por exemplo, no
intuito de conseguir petróleo, não se importa de estar envenenando a água que
aquelas pessoas irão beber. Num dos momentos mais revoltantes, uma criança
sudanesa chora ao ser forçada por missionários evangélicos a colocar meia e
sapato. E, obviamente, os invasores sempre argumentam que estão pensando no
melhor para aquele povo, enquanto tentam transformá-los radicalmente em versões
padronizadas e medíocres, ignorando suas crenças ao tentar obrigar eles a
adorarem um deus que eles não conhecem. A câmera capta o orgulho daquele que
celebra com sua família, confortavelmente através de sua webcam, um absurdo
arrendamento realizado contra a vontade do dono da terra. E o desconforto
aumenta gradualmente, contrastando com a beleza da fotografia.
O título que parece saído de um sci-fi encontra ressonância em ângulos de
câmera e tomadas aéreas que sutilmente criam a ilusão de que estamos assistindo
um mundo alienígena habitado por seres nus, onde os exploradores malignos são
os engravatados. É um ótimo filme para assistir em conjunto com “Deus Ama
Uganda”.
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