O País de Charlie (Charlie’s Country – 2013)
O roteiro, escrito pelo diretor Rold de Heer em parceria com
o protagonista David Gulpilil aborda de forma livre a vida do indígena em meio
à intrusiva intervenção do governo australiano, tratando de elementos
autobiográficos, como o vício no álcool e seu exílio, enquanto acompanha sua
vida solitária na reserva e sua aventura na cidade grande. E, por mais que sua
presença em cena seja hipnotizante, não dá para relevar a forma simplória como
todos os personagens são construídos, alicerçados em estereótipos e com
praticamente nulo aprofundamento em suas motivações.
Há uma simplificação até mesmo nas questões sociais que o
roteiro aborda, sem interesse em focar nos conflitos internos e externos dos
personagens. O resultado é emocionalmente eficiente, mas existem vários
momentos onde o roteiro parece não confiar na inteligência do espectador,
enfatizando excessivamente com a trilha sonora de Graham Tardif o que já está
estabelecido satisfatoriamente pela imagem. O protagonista consegue dizer tanto
com pequenos gestos e com seu rosto expressivo, que acaba se tornando incômoda
essa necessidade de sublinhar artificialmente cada emoção, longas tomadas que
berram a intenção de fazer o público sentir até o aroma do local, um recurso
que acaba se banalizando e desumanizando o elemento principal, um clássico caso
onde menos seria mais.
Com adoráveis toques de humor, que ajudam a evitar que o
filme se arraste em seu segundo ato, essa nova parceria entre o diretor e
Gulpilil pode não ser a mais interessante, considero “The Tracker” bem melhor,
mas vale tremendamente pela impecável atuação de seu protagonista.
Der Samurai (2014)
Como na Alemanha, similar ao que infelizmente ocorre aqui, é
difícil conseguir verba para projetos do gênero fantástico, o jovem diretor
Till Kleinert acreditou em sua ideia e elaborou um plano. Um filme neo-giallo
realizado por crowdfunding, um trabalho de conclusão de curso, exatamente o
tipo de surpresa agradável que engrandece o conceito de um festival e nos faz
aguardar com ansiedade as próximas obras do cineasta. Utilizando variadas
referências, que vão de Argento, Bava, Soavi, Lynch, passando pelo ciclo de
lobisomens das décadas de sessenta a oitenta, até mesmo os jidai-geki chambara
japoneses e os trabalhos iniciais de Polanski, o roteiro enxuto constrói a
partir desse amálgama uma visão que se impõe com personalidade, entregando um
eficiente vilão samurai travesti, vivido com a mesma intensidade do
Frank-N-Furter de “Rocky Horror Picture Show”, por Pit Bukowski.
A trama, coerente com sua proposta, utiliza o jogo de gato e
rato entre o sombrio vilão e seu extremo oposto, um jovem policial tímido e
inexperiente, vivido por Michel Diercks, como alegoria para o autodescobrimento
homossexual, repleto do gore caricato que remete ao das produções dos “Shaw
Brothers”, tendo os assassinatos em série perpetrados pela louca projeção de
seu id, seus impulsos primitivos, como metáfora visual para um extravasamento
da repressão interna do policial, conduzido pela espada samurai como óbvio
símbolo fálico.
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