Sozinha (San Zimei – 2012)
Wang Bing é um diretor destemido, o que provou com sua permanência em um hospital psiquiátrico, resultando numa extravaganza de 4 horas que repetiu a experiência avassaladora do documentário anterior, “Sozinha”, no Festival de Veneza. A rotina de três crianças abandonadas pela mãe, que sobrevivem em uma vila rural afastada e montanhosa.
São projetos bastante diferentes, mas a proposta é a mesma: causar desconforto no espectador, fazendo-o lutar contra seus sentidos para permanecer na sessão até o final. Ele claramente forma laços de amizade com seus observados, estabelecendo uma intimidade que o torna um elemento do cenário. Vulneráveis, as crianças tossem constantemente. Após certo tempo, os sons de seu sofrimento passam a perturbar o espectador. O investimento emocional se intensifica quando percebemos a alegria delas na visita do pai, que havia ido para a cidade procurar emprego. A brava resiliência delas nas mais insuportáveis condições, em contraste com a fragilidade infantil que demonstram ao agarrarem-se nas pernas do homem cuja feição modifica a cada longo período de afastamento.
As imagens que sua câmera captura, indo contra o padrão do gênero, não são pensadas objetivando um posterior trabalho na edição, deixando transparecer que seu interesse investigativo está exatamente nas arestas que muitos outros documentaristas aparam. O resultado é exaustivo para quem assiste, já que ele incorre muitas vezes em repetições imagéticas. Durante quantos minutos precisamos acompanhar os passos de seus observados em uma estrada? Quantas vezes precisamos assistir a longa preparação da comida que será dada aos porcos? Qual a sensação que ele quer transmitir? Bing não manipula a vida da pequena família chinesa que acompanhou por seis meses, apenas a observa.
Blackfish – Fúria Animal (Blackfish – 2013)
Se você é como eu, que se entristece quando passa pela jaula dos símios no zoológico e vê os animais, ditos, racionais se portando como acéfalos, provocando o animal e perturbando sua já limitada existência, prepare-se para sair revoltado da sessão desse ótimo documentário. A ideia de utilizar a baleia, um animal fora de seu habitat como fantoche, tentando domar o indomável, como bem salientado no próprio filme, será visto num futuro próximo como um ato de pura barbárie. Empresas como a SeaWorld, que são capazes de roubar a dignidade de um funcionário morto, apenas para não ter problemas judiciais, continuam exercendo suas atividades normalmente. Animais selvagens mantidos em cruel cativeiro, sofrendo stress diário e sendo brutalmente separados de seus filhotes, como numa das declarações mais contundentes, onde ex-treinadores relatam o longo desespero agonizante das fêmeas.
A angústia aumenta até que alguns ataques começam a ser contados, acertadamente, sem explorar as tragédias, cortando sempre antes dos ataques fatais, evidenciando que não são casos isolados causados por imperícia dos treinadores. A natureza sempre encontrará um caminho, por mais que os homens acreditem ser capazes de dominá-la de alguma forma. Utilizando como ponta de lança argumentativa a morte da experiente treinadora Dawn Brancheau em 2010, a diretora Gabriela Cowperthwaite assegura pela forma com que finaliza sua obra, que existe esperança no ser humano, ainda que as absurdas touradas sejam uma tradição e os homens ainda achem interessante verter sangue em octógonos. Como mostradas, as baleias que possuem o costume de viver em grupos e nunca atacam em seu ambiente natural, provam ser mais inteligentes que nós.
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