Boyhood – Da Infância à Juventude (Boyhood – 2014)
O filme retrata um casal divorciado compartilhando a educação de seu filho da infância à juventude, e analisa a relação entre eles conforme amadurecem.
Parafraseando John Lennon, a vida é aquilo que acontece enquanto você está ocupado com outros planos. A breve e cruel experiência do aprender a desapegar, necessitando superar obstáculos que nos surpreendem nos momentos mais improváveis.
Uma sucessão de erros e acertos cometidos por estranhos seres complexos que se descobrem compartilhando um mesmo universo de incertezas, unidos em uma sinfonia diária de perguntas cujas respostas nunca são encontradas.
O diretor Richard Linklater ousou tentar decodificar esse enigma existencial em um projeto ambicioso em escala, mas com uma sensibilidade minimalista, capturando ao longo de quase doze anos as mudanças na vida do protagonista, a jornada fascinante que o leva da inocência de sua infância à maturidade precoce em sua juventude.
O período de 2002 a 2013, por sorte, abraça a era em que a tecnologia avançou em largos saltos, artifício utilizado inteligentemente no roteiro como metáfora visual, expondo de forma latente o desconforto de uma geração inserida em um tempo de modificações profundas e constantes, além daquelas, tão profundas quanto, que ocorrem internamente.
A evolução rápida dos jogos, a obrigatória adaptação ao admirável mundo novo oferecido pela popularização da internet, elementos inovadores que contrastam com os resquícios de atitudes ligadas ao lado primitivo do ser humano, como a natural disputa territorialista entre irmãos ou a agressiva busca pela autoafirmação entre colegas de escola.
A ideia de não seguir uma trama específica, optando por uma colagem de incidentes variados, ajuda a compor de forma mais coerente e fluida o panorama de eventos que moldam a vida de uma pessoa.
É brilhante a sutileza utilizada para sublinhar os pontos de ruptura psicológica no cotidiano, como a rápida cena em que vemos o padrasto ainda no controle de seu vício pelo álcool, evitando que as crianças e a esposa percebam sua prática, até sermos conduzidos à poderosa cena do almoço familiar, onde constatamos a degradação total daquele homem, completamente dominado pelo vício e pela subentendida frustração profissional, incapaz de reconhecer a si próprio no reflexo do espelho.
Sentimos também nesses pontos de ruptura o lento forjar da natureza íntegra do menino, que enfrenta com coragem os atos inconsequentes dos adultos desastrosos que deveriam supostamente ajudar em seu aprendizado, mas que se mostram incrivelmente despreparados.
Ele demonstra resiliência ao aguentar a implicância dos colegas da escola, após ter seu longo cabelo implacavelmente cortado pelo padrasto machista e rancoroso. E é bonita a forma como o roteiro insere o escapismo que o garoto encontra na fantasia, como força auxiliadora em seus conflitos.
Podemos reconhecer também os danos daquela conturbada relação na esposa, vivida impecavelmente por Patrícia Arquette, percebendo sua mudança física naqueles poucos anos, seu ganho de peso e a constante troca de cortes de cabelo, deixando claro seu desconforto existencial e um gradual desleixo ideológico, que será remediado quando a encontrarmos novamente, anos depois, já livre daquele tormento, como professora de psicologia. Existe um simbolismo forte nisto, já que ela retomou o foco de sua vida, tomando com segurança emocional o controle de suas decisões.
O leitmotiv do amadurecimento não é exclusivo do menino, vivido com competência por Ellar Coltrane, mas também de seus pais.
Ethan Hawke, como a figura paterna que só consegue se comunicar de forma eficiente com os filhos através da música, começa sendo mostrado como alguém perdido em seus próprios sonhos artísticos, sobrevivendo a uma fragilidade econômica simbolizada pelo longo uso do mesmo carro simples, denotando uma estagnação profissional, que dará lugar eventualmente a uma considerável mudança de atitude e estilo, um amadurecimento tardio.
O filme é impressionante na forma como nos faz refletir sobre nossas próprias vidas, sem apelar para os recursos emocionais tradicionais, resultando em um lindo e único retrato proustiano das várias etapas na formação do homem.
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