Entrevistas

Entrevista exclusiva com André Luiz, filho do coração de Mazzaropi

O filho do coração de Amácio Mazzaropi, André Luiz, dedicado responsável por carregar o legado do cineasta para as novas gerações, carinhosamente aceitou responder algumas questões sobre o empreendedor que chegou mais perto de construir uma indústria autossustentável de cinema no Brasil. Um sonho utópico que parece estar cada vez mais distante.

O – Um dos aspectos mais fascinantes em Mazzaropi é que ele lotava salas de cinema sem uma máquina como a Globo Filmes por trás. Hoje em dia as comédias nacionais fazem público porque são divulgadas durante toda a programação da emissora. Fale sobre a inteligência empresarial de Mazzaropi, sobre essa facilidade que ele tinha de se comunicar com seu público, inclusive, ditando as datas de estreias, mesmo que elas batessem de frente com a grande indústria americana.

A – O primeiro aspecto é que o Mazzaropi começa sua carreira aos 17 anos e com 19 já estava no Teatro, primeiro Oberdan, cantando Cansoneta Napolitana, e depois Colombo, sendo a partir de lá sucesso de publico, pois após as primeiras aparições cantando, decidiu mudar sua característica artística se tornando o personagem Jeca em 1931, imitando o “Irmão Sebastião”, que fazia dupla com Genésio Arruda; A partir dali se apresentou em grandes teatros com grandes nomes daquela época, como Dercy Gonçalves; Em 1941 chega ao rádio, tornando-se, entre 1942 e 1952, o mais conhecido comediante brasileiro neste período da Radio Tupi de São Paulo e Radio Nacional do Rio de Janeiro.

O Rádio dos anos 40 e 50 era infinitamente mais poderoso promocionalmente do que a Rede Globo de hoje; (a TV Globo atinge hoje aproximadamente 44% da população), pois toda a população do país só tinha como informação e entretenimento o rádio, que atingia em torno de 95% da população, e ele era líder de audiência dentro das duas maiores Rádios do país; Mazzaropi ainda fez Televisão entre os anos de 1950 e 1952, quando saiu do Rádio e da Televisão para ir para o Cinema, a Cia Cinematográfica Vera Cruz; Levado pelas mãos do diretor Abílio Pereira de Almeida, Mazzaropi já tinha construído seu grande publico no Rádio e os levou para o Cinema junto com ele.

Os primeiros filmes foram produzidos por duas das maiores produtoras de cinema brasileiro, Vera Cruz, de Franco Zampari, e Cinedistri, de Oswaldo Massaini; Ele só foi enfrentar as distribuidoras americanas quando criou a sua própria empresa: PAM Filmes, em 1958, quando já era sucesso, recordista de publico e de bilheteria, soube como ninguém enfrentar as distribuidoras americanas.

No Brasil existiam, segundo o Cardex da PAM Filmes, 11.648 salas de exibições de cinema; Embora as grandes distribuidoras fossem americanas, as salas de cinema eram de grandes proprietários brasileiros e ele, na sua inteligência e sabedoria empresarial, soube cativar cada dono de sala de cinema desse país afora; por isso criou a Amácio Mazzaropi Produtora e Distribuidora de Filmes Cinematográficos PAM Filmes, isso fez toda a diferença. Quanto às datas de lançamento dos filmes, ele pediu no inicio ao Franco Zampare (Vera Cruz) que o lançamento de seus filmes fossem em todo aniversário de São Paulo, e assim se fez em todos os filmes; ele amava São Paulo, a cidade o amava.

O – Amácio capitalizava em cima dos temas que estavam fazendo sucesso no mundo, transportando aquela temática para o universo de seu personagem. É o caso de “Jeca Contra o Capeta”, que aproveitava o sucesso mundial de “O Exorcista”. Os cineastas nacionais não apreciam trabalhar com gêneros, mas Mazzaropi utilizava esses gêneros de uma forma muito autoral, com muita personalidade. Como é o caso das homenagens ao faroeste, “Uma Pistola para Djeca”, por exemplo. Fale um pouco sobre essa questão da importância de não rejeitar o cinema de gênero.

A – O grande sucesso dele, o Jeca era um gênero, real à sua época, porem um gênero; O Brasil colônia fora formado em sua gigantesca zona rural e dos anos 30 à 70 vivia plenamente o êxodo rural, trazendo para as cidades as figuras rurais, entre elas o Jeca; Mazzaropi, ao longo de sua trajetória no cinema, teatro e circo, aprendeu a falar a linguagem desse personagem do nosso povo.

Em toda sua carreira ele fez um só gênero, variações de seu próprio Jeca. Inicialmente o personagem foi imputado por Abílio e Oswaldo, aquele Jeca que eles conheciam, o Jeca urbano, da cidade ou que foi morar na cidade, isso durou até seus primeiros dois filmes na PAM, até chegar ao “Jéca Tatú”, a partir daí o Jéca Tatú de Monteiro Lobato; entre o “Jéca Tatú” e “O Grande Xerife”, até que se redescobre em sua própria versão, uma mistura de tudo isso que ele viveu; e a partir de “Um Caipira em Bariloche”, até “O Jéca e a Égua Milagrosa”, seu próprio Jeca.

Mazzaropi não era cinéfilo; portanto seu conhecimento sobre o cinema vem da produção cinematográfica e não dos filmes de grande sucesso produzido pelo mundo, ele emprestou ao cinema sua arte circense teatral. Ele aprendeu no Rádio estar sempre ligado à mídia, uma das razões de seu sucesso.

Ele aprendeu a produzir cinema com gente grande, como ele se referia a seu patrão Zampari e, principalmente, ao húngaro Rodolfo Icsey, considerado à sua época, e até os dias de hoje, um dos maiores fotógrafos cinematográficos do mundo; ambos produziram cinema na Itália e em Hollywood; tendo Rodolfo Icsey participado de centenas de produções; por esse motivo os gêneros sempre estiveram presentes em seus filmes. Como ele dizia: “O segredo do meu sucesso é falar a língua do meu povo.”

O – Quando ele dizia que pensava seu cinema objetivando o público, não a crítica, ele dava uma aula que ainda hoje não foi aprendida por aqui. Não há maneira de se criar uma indústria de cinema somente com projetos autorais e pretensões existencialistas. É preciso entregar, com qualidade e alguma ousadia, aquilo que o público quer ver. Como você analisa essa postura dele?

A – Quando decidiu fazer seu próprio cinema, ele só deu ouvido a seu povo, seu público, não a critica que sempre o tratou com desprezo, e eram na rua, nas praças, mercados, nos bares, que ele nunca frequentou, nas vendas de roças, vilas rurais, pequenas cidades onde, em suas milhares de viagens para realizar seus shows de circos, conversando com as pessoas comuns é que ele criava suas histórias e personagens, encontrando também pessoas que iriam ajudar, profissionais extremamente qualificados.

Vou citar apenas dois companheiros que foram seus roteiristas e que eu conheci : Gentil Rodrigues e Rajá Aragão. Nomes como Argeu Ferrari, João Batista de Souza, Carlos Garcia e esse que vos fala, André Luiz de Toledo. No primeiro momento ele alugava todos os equipamentos necessários da Vera Cruz, depois acabou comprando esses equipamentos, além de uma fazenda em Taubaté, a Fazenda da Santa, que transformou em seu estúdio. Em 1974 ele construiu o mais moderno estúdio cinematográfico da América Latina, terceiro do mundo, onde hoje é o Hotel Fazenda Mazzaropi. Depois de produzir os filmes, ele não descansava, sentava na sala do Art Palácio, em São Paulo, escondido do público que sempre lotava os cinemas, assistindo o filme e saindo da sala uns cinco minutos antes de acabar. Ao escutar a gargalhada do povo, ele sabia que havia feito o melhor que podia.

O – Como era a mente criativa dele? Ele seguia um roteiro com disciplina, ou improvisava as cenas? Como o Mazzaropi pensava o cinema? Sei que sua grande paixão era o circo. Quais eram as referências dele no cinema?

A – Quando empregado, aliás, contratado como ele dizia ser, a disciplina e dedicação ao estudo do roteiro eram impecáveis, porém, após o primeiro filme, vieram os primeiros improvisos, a criação da sua arte, muito própria dele. Mazzaropi não pensava no cinema, pensava exclusivamente em seu cinema; por isto o tornou uma indústria cinematográfica.

Sua grande paixão artística estava no circo; O cinema foi sempre seu grande negócio comercial, apenas isso. Ao longo de toda vida assistiu poucos filmes, muito poucos, por isso não tinha nenhuma referência no cinema mundial ou brasileiro; mas através da mídia conheceu Charles Chaplin. Ele dizia que, se fosse americano, seria certamente Chaplin. E, de certa forma, ele foi o Chaplin brasileiro.

O – Eu acredito que a música era um fator importante em sua mente criativa. Que tipo de música ele escutava em casa?

A – De tudo, pois só ouvia música no rádio, de casa ou no carro, Amácio era um homem rico e de bom gosto, de caipira só tinha o personagem, tinha certa simpatia pela musica clássica orquestrada; mas não tinha paciência de assistir a um concerto musical. A música entra em seus filmes desde o inicio não por sua iniciativa, mas a arte cênica teatral e cinematográfica vivia a seu tempo o teatro de revista e de grandes musicais, por isso a importância da música em seu cinema; para sua sorte , ele conheceu ainda na Vera Cruz o músico/compositor Elpídio dos Santos, que vivia em São Paulo, mas era de São Luiz do Paraitinga, que se tornou berço cinematográfico de Mazzaropi; com ele cantou os seus maiores sucessos: A Dor da Saudade e Fogo no Rancho, entre outras.

O – Ele tinha alguma mania ou método peculiar durante a preparação e a filmagem de seus projetos?

A – Amácio era perfeccionista, fazia tudo com muito cuidado, com muito zelo, pois sabia que só assim faria o melhor.

O – Fale sobre a importância de Pio Zamuner nos filmes de Mazzaropi.

A – Para falar de Pio Roberto Zamuner, é preciso falar de Rodolfo Icsey, porque Pio veio jovem ao Brasil, pelas mãos do já experiente Icsey; e foi assim que começou sua trajetória com Mazzaropi; Do primeiro ao último filme que produziu com ele, entendeu muito bem o que o ítalo brasileiro Amácio Mazzaropi queria dizer ao seu público, fazendo com que isso os ligasse; tinham a mesma identidade ideológica e social, ambos vinham de colônias italianas pobres e conheciam bem o sofrimento de seu povo, o caipira de Amácio tinha muito do caipira italiano.

Zamuner encontrou em Mazzaropi a estrutura técnica e financeira para desenvolver o bom cinema que ele havia aprendido com Icsey, e essa união foi ótima para o público. É preciso falar também de Virgilio Roveda, o Gaúcho, seu assistente de câmera; muito provavelmente, sem Virgilio, o Mazzaropi não teria conseguido segurar a barra com o Zamuner. O Gaúcho era o ponto de equilíbrio entre os dois.

O – Você acredita que no panorama cinematográfico nacional atual existe a possibilidade de um fenômeno como Mazzaropi existir? O maldito politicamente correto, em sua opinião, está abortando possíveis gênios do humor?

A – NÃO. Não acredito, porque no Brasil os comediantes atuais são forjados por diretores de televisão, comédia não hilária, instantânea nos teatros, os grandes comediantes mundiais vinham do circo, e este acabou. Quanto ao cinema, aqui não temos mais nenhuma escola de cinema, adotamos, como a maioria dos países do mundo, o audiovisual como material cinematográfico, o que é uma pena; cinema é cinema e audiovisual nunca será cinema.

Outro problema é que perdemos, faz tempo, o parque exibidor. Em 1981, eram 11.648 salas. Hoje, dados da Ancine informam algo em torno de 1340 salas, sendo 1100 em shopping centers; perdemos pelo menos três gerações de cinéfilos que deixamos de formar; Nossa produção de filmes, faz tempo, é de audiovisual, o que não qualifica ninguém para o cinema, muito menos o produtor. O poder público continua interferindo na produção e não tem ação nenhuma na distribuição/exibição.

Acabei de produzir dois longas (“O Filho do Jeca” e “O Mensageiro de Deus”), ambos audiovisual para dois mercados gigantescos dentro do Brasil, o popular e o gospel, e não consigo sequer agendar com os distribuidores. A Ancine adotou uma linguagem que só eles entendem, com certeza com o único objetivo de favorecer a Globo, porque só ela tem a mídia na mão. Cota de tela não existe, só para eles.

O – Meus filmes favoritos dele são “Jéca Tatú”, “Sai da Frente” e “O Jeca Macumbeiro”. Quais são os seus filmes favoritos?

A – Antes de falar do meu preferido, vamos falar dos preferidos dele, que dizia que não tinha preferência, que eram como filhos, mas te revelo que era mentira. Mazzaropi era apaixonado por “Jeca Tatu”, “Portugal, Minha Saudade” e “Betão Ronca Ferro”, esse último por causa do seu amor pelo circo. Eu acho que o melhor filme dele é o “Jeca e seu Filho Preto”, não só porque participo dele; fiz entre 1983 e 2014, cerca de 1614 “Mostra de Cinema Mazzaropi”, assisto todos os filmes; esse e “Betão Ronca Ferro” são os que mais me encantam. Para o público atual, o filme “Jecão… Um Fofoqueiro no Céu” é o preferido, assim como “Casinha Pequenina”, que, sozinho, levou 74.000.000 de pessoas às salas de cinema, entre 1961 e 1981. Ele, com seus 24 filmes, levou 206.779.311 pagantes às salas, entre 1958 e 1981. Os filmes venderam 90.000.000 de cópias de DVD’s, de 2006 a 2012.

O – Você poderia deixar uma mensagem para os meus leitores, os cinéfilos que amam o legado de Mazzaropi?

A – Aos fãs de Amácio Mazzaropi, deixo aqui minha eterna gratidão. Antes dele ir embora, ele me disse numa noite que o seu público jamais o iria deixar; e assim está sendo até hoje; muito obrigado.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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