Uma Aventura LEGO (The LEGO Movie – 2014)
Antes de me perder em uma análise, com óbvios spoilers, sobre a complexidade dos temas abordados, acho importante ressaltar que a maior qualidade da obra é ser extremamente divertida, inteligente enquanto roteiro de ação e eficiente enquanto sátira desta estrutura desgastada, um projeto que transcende seu público-alvo e seu gênero, excelente naquilo que se propõe a ser.
O roteiro dos diretores Phil Lord e Christopher Miller, brilhante, constrói minuciosamente um universo, composto de vários mundos totalmente distintos, que refletem elementos de vários subgêneros cinematográficos, nascido da fantasia de uma criança, que, como todos nós, busca no escapismo criativo uma forma de enfrentar uma realidade decepcionante, no caso do menino do filme, uma figura paterna austera, controladora e distante, vivida por Will Ferrell.
A trama deixa pistas sutis, desde o início, sobre sua natureza metalinguística, como as relíquias procuradas pela personagem Mega Estilo, objetos que uma criança normalmente esquece no baú de brinquedos, entre eles, um band-aid usado. O fio improvisado que possibilita o levitar do fantasma, ou, o que considero o mais sensível, os efeitos sonoros provenientes da boca do menino, que emolduram breves trechos em que o véu da fantasia é levemente rasgado.
O emocionante desfecho de “Toy Story 3” tratou este sentimento de melancolia nostálgica com muita ternura, mas “Uma Aventura Lego” opta ir além, inserindo um embrião orwelliano na subtrama sobre totalitarismo, inspirando uma reflexão direta sobre o consumismo, numa interessante autocrítica.
“Everything is Awesome”, como as canções imediatistas que a indústria fonográfica despeja de tempos em tempos, com prazo de validade curto e estratégias de marketing que as vendem como fenômenos, numa clara manipulação do público menos criterioso, possui um refrão que gruda no córtex cerebral. O sucesso dela, especialmente na cerimônia do Oscar, fez, numa ironia deliciosa, com que o sistema aplaudisse um produto que o critica duramente.
O personagem do homem comum, Emmet, inicia a obra acreditando desejar intensamente ser aceito, ele quer fazer parte de uma equipe, não há interesse algum na individualidade. Ele segue as instruções diárias, porém, segue sozinho, tendo apenas uma planta como amiga. O sistema em que ele vive rege que para alcançar a felicidade é preciso negar a individualidade.
Ele é levado a desejar algo inútil, exatamente como nós, estimulados, por noções tortas de status, a tomar o café mais caro ou utilizar roupas de marca, sem haver uma razão lógica para esta atitude. É muito mais fácil controlar uma massa, visualmente e ideologicamente, uniforme.
Ao longo de sua jornada, que nos remete aos trabalhos literários de Joseph Campbell sobre o mito do herói, ele irá aprender a beleza inerente à anarquia, ao individualismo, em que todos são especiais e capazes, de diferentes formas, de modificar positivamente seu ambiente. As diferenças nos fortalecem.
Somente estas reflexões que o roteiro propõe já seriam suficientes para afirmar que a animação é acima da média, porém, num toque carinhoso, o roteiro reserva generoso tempo para abordar a atual questão da padronização do entretenimento infantil.
O enfraquecimento da imaginação na equação das brincadeiras das crianças modernas, que, ao invés de ganharem livros de seus irresponsáveis pais, recebem tablets. O menino da trama é repreendido pelo pai por misturar brinquedos de vários segmentos em uma mesma aventura.
Os personagens são levados a forçar a criatividade na construção improvisada de rotas de fuga, a rejeição do óbvio, despertando possibilidades estimulantes. E é exatamente esta pluralidade que entretém e surpreende o público.
É preciso que a criança seja conduzida pelos pais a criar mundos sem regras, sem fronteiras, a partir de um quarto vazio, ao invés de entregar um mundo medíocre pronto e limitado, como forma de compensar a ausência parental na vida do filho.
O belo desfecho do filme celebra esta esperança.
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