Críticas

“Assim Falou o Amor”, de John Cassavetes

Assim Falou o Amor (Minnie and Moskowitz – 1971)

“Eu penso tanto em você, que até me esqueço de ir ao banheiro.”

A simplicidade desta frase, uma síntese perfeita do romantismo naturalista do personagem vivido por Seymour Cassel: Seymour Moskowitz, um homem inculto que se mostra incapaz de se comunicar com o sexo oposto.

Ele, longe de ser um galã, com seu jeito desajeitado e descortês, o representante do mundo real que existe por trás das ilusões criadas pelo mundo do cinema, a enganação de que existe amor verdadeiro, algo alimentado desde as primeiras sessões, ainda na infância, como citado pela personagem vivida por Gena Rowlands: Minnie Moore.

Uma mulher culta e bela, que foge do contato visual, sempre se escondendo atrás das lentes escuras de seus óculos de sol, buscando encontrar alguém como o Rick Blaine de “Casablanca”, um de seus filmes favoritos. Ele, por outro lado, prefere se identificar com o Sam Spade de “O Falcão Maltês”. A adoração por Humphrey Bogart parece ser o único elemento em comum entre os dois.

A direção de John Cassavetes explora, em várias cenas, com seu senso de humor peculiar, a falha na comunicação, evidenciada nas atitudes violentas de seu personagem, um amante emocionalmente desequilibrado.

A sua maneira libertária de conduzir seus colegas atores, possibilitando que eles exercitem o improviso, aliado ao fato de colocar seus familiares nos projetos, acaba se traduzindo, em todos os seus filmes, em um clima de vivaz camaradagem. A sua mãe, Katherine Cassavetes, interpreta a hilária mãe de Seymour, responsável por uma das cenas mais divertidas, quando ela elenca todos os motivos que deveriam fazer a namorada dele pensar duas vezes antes de seguir em frente com a relação.

A personagem dela praticamente quebra a quarta parede, corroborando a visão do público, salientando o quão absurda é a união daquelas duas pessoas completamente diferentes, algo que foge de qualquer explicação racional.

A opção deles por uma rotina convencional de encontros românticos: sorveteria, dançar, passeios noturnos e conversas existenciais, por mais que tentem com genuína boa vontade, acabam sempre em desastre. Eles descobrem que o ato de se apaixonar nasce exatamente nos constrangedores silêncios que antecedem qualquer tentativa de consumar uma atitude clichê, o sorriso espontâneo que brota após uma canção, numa tentativa desafinada de sedução.

Em sua crítica ao gênero, Cassavetes se utiliza de todos os recursos clássicos, até mesmo o pastelão, na ótima cena de briga noturna em que, por engano, Minnie é nocauteada por Seymour. É interessante a forma como a obra retorna, em seu irônico desfecho, ao conceito de ilusão apontado pela protagonista no início, entregando um casamento após apenas quatro dias de relacionamento, o clássico happy ending hollywoodiano, encantador como os das melhores screwball comedies, porém altamente inverossímil.

Uma pérola que merece ser redescoberta pela nova geração.

* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora “Versátil”, na caixa “A Arte de John Cassavetes”.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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