Críticas

“O Engraxate”, de Miguel M. Delgado, com CANTINFLAS

O Engraxate (El Bolero de Raquel – 1957)

Nos moldes de seu admirador mais famoso, Charles Chaplin, Mario Moreno conseguia equilibrar muito bem a gargalhada com a ternura, como ocorre nesse, que é um de seus melhores filmes.

Ainda que, algo usual em sua filmografia, muitas piadas se percam na tradução, como a brincadeira no título, envolvendo a obra de Maurice Ravel e a atividade do protagonista, um trambiqueiro bolero (engraxate) que se apaixona por uma professora, vivida por Manola Saavedra, é impossível não se encantar com os improvisos do ator. Quando Cantinflas solta sua metralhadora verborrágica nonsense, seu famoso “cantinflear”, você precisa direcionar a atenção para o interlocutor, que se esforça para não estragar a filmagem sorrindo fora de hora.

Em seu primeiro trabalho em cores, logo após conquistar fama internacional, e o prestígio da crítica, com o premiado “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, o mexicano demonstra estar no auge de sua inspiração, especialmente na hilária primeira hora, em que testemunhamos uma edificante aula de História que ele fornece a um estrangeiro, além de exibir, em estado de total sobriedade, toda a discrição e elegância que deveria ser o padrão nas cerimônias de funeral.

Ele mostra que, o que verdadeiramente importa, é consolar a bela viúva e oferecer um ombro amigo para todas as mulheres presentes no ritual. E, claro, sendo um homem tão digno, ele ficou com a responsabilidade de cuidar do filho pequeno do compadre falecido, um operário de obra que, como bem explicado por Cantinflas, foi para o céu, após quicar do asfalto, tendo caído do décimo sétimo andar da construção onde trabalhava.

A cena mais famosa, sua desenvoltura como dançarino, é muito simpática, porém, o momento que se mantém em minha mente é o silencioso choque de realidade do personagem, após a triste despedida da criança, agarrado à bola colorida, símbolo de gratidão pela companhia do menino, que tanto lutou para conseguir pagar. Cantinflas é levado pela emoção, transmitida em seus olhos, uma cena que nos remete ao pagamento do tratamento da florista cega de Chaplin, em “Luzes da Cidade”.

Assim como o vagabundo inglês, o peladito (pé rapado) mexicano aprende que a gentileza é um ato nobre que não pede recompensa, não necessita de reconhecimento, bastando apenas o sentimento de felicidade que sucede a lágrima, a constatação da genuína intenção carinhosa de quem a oferece.

* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora “Studio Classic”.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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