Neste especial “Woody Allen”, começo sempre com um texto cômico, no estilo do homenageado, um dos meus ídolos nesta arte.
Eu estava entediado com o reality show que estava passando na TV Senado, achei que os participantes perdiam tempo demais fazendo pose pras câmeras, aqueles discursos demagógicos para ver se eles conseguiam o carinho do público nas próximas eleições para líder, uma falsidade sem tamanho. E, levando em consideração a grana alta que eles estão recebendo, acho que poderiam pelo menos fingir que estão interessados nos assuntos que debatem com tanta teatralidade. Quando um dos mais exaltados, que carregava duas plaquinhas com os dizeres: “Vossa Excelência” e “Vossa Senhoria”, para facilitar na hora de exercitar sua desajeitada oratória, gritou: “Aleluia”, e foi pulando num pé só até o presidente, decidi que era hora de trocar de canal.
Foi quando descobri, em um canal espanhol, um daqueles clássicos programas de perguntas e respostas. As perguntas eram sobre temas culturais, citavam atrizes do cinema clássico, até obscuras, e, para minha surpresa, os participantes acertavam. Já nos programas similares brasileiros, quase sempre, os participantes pedem ajuda dos universitários para questões como: “Quantas bananas você encontra em uma caixa com uma dúzia?” E, invariavelmente, os universitários, que passam mais tempo nas manifestações, do que nas salas de aula, acabam decidindo pela cômoda alternativa: “É uma caixa grande ou pequena?”. Raciocínio rápido não é o forte do brasileiro. E o raciocínio lento, por via das dúvidas, nunca é lento o suficiente.
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“O governo é o culpado, esses políticos que não fazem nada, essa presidAnta tem que pedir pra sair, o povo brasileiro não tem educação, vou bater panela na minha janela e xingar muito no Twitter.” (assinado: Glória Patrícia, empresária do condomínio de luxo do Leblon, pouco antes de ver religiosamente o capítulo da novela, tirar mais sete variações de selfies idênticas para postar nas redes sociais, e utilizar o livro de autoajuda que ganhou de uma amiga como suporte para sua taça de espumante)
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A apresentadora do programa brasileiro, que interrompeu as questões e, por alguns minutos, transformou o cenário em uma farmácia, vendendo cápsulas para combater artrose e celulite, aparentemente teve um colapso nervoso no palco e, sem saber com qual mão deveria segurar o microfone, acabou de confessar aos participantes que segue apenas o que o seu marido, dono da emissora, lê para ela em seu ponto auricular. O programa europeu pode ser mais elegante, os participantes podem ser mais inteligentes, o apresentador pode ser mais educado, porém, com certeza, nós compensamos com o menor senso de ridículo do mundo. É impressionante perceber como os brasileiros conseguem manter essa programação no ar, diariamente, sem que os responsáveis cometam harakiri. Claro, não há código de honra algum.
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“O povo precisa ir às ruas, berrar mesmo, é um absurdo esse aumento nos preços dos automóveis importados. Eu sou brasileira, meu amor, um lábio que estampa estrelado o verdugo loiro dessa flama, gigante pela própria natureza, por seu fulgúrio, espelho dessa grandeza, impávido colostro que, como Chiquinho Buarque dizia, “ê, meu amigo Charlie Brown, meu guri”, temos que levantar a nossa bandeira verde e rosa dessa lama que suja as nossas ruas. Fora, governo podre!” (assinado: Glória Patricia, empresária do
condomínio de luxo do Leblon, pouco depois de tomar sua medicação diária, jogar
uns ovos pela janela, consultar seu horóscopo para o dia seguinte e, sem muita
empolgação, tentar, pela vigésima vez, iniciar a leitura do novo livro do seu
ídolo: Padre Carmelito, o Bondoso)
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O Brasil está de cabeça para baixo, ou, sendo mais preciso, está numa variação da posição fetal no meio de um jogo de Twister, com os braços entrelaçados nas pernas e, num contorcionismo invejável, com a cabeça enfiada dentro de um buraco improvisado no chão. Os analistas mais pessimistas estão garantindo que os mortos irão se levantar dos túmulos em um apocalipse zumbi que irá ocorrer após a descida de uma nave alienígena, já os analistas otimistas preveem que a nave irá desviar de sua rota no último minuto, após uma
retumbante gargalhada do piloto, causada pela resposta de um dos participantes brasileiros do programa de televisão. Estamos vivendo uma época tão gloriosa, tão emocionante, que dá vontade de acordar todos os dias e, com a mão direita sobre o peito, cantar o Hino Nacional. O que aconteceria, caso os brasileiros soubessem a letra.
Broadway Danny Rose (1984)
Esse é um dos meus favoritos, que encanta principalmente pela ternura com que Allen retrata os personagens.
O protagonista nos é revelado através de um bate-papo descontraído, numa mesa de restaurante, entre comediantes, relembrando com carinho esse agente de talentos que verdadeiramente apostava em seus artistas, por mais simplórios que eles parecessem ser, de homens que moldavam cães com balões, passando por encantadores de pássaros, sapateadores pernetas, até mágicos amadores e malabaristas de um braço só. Ele valorizava mais o elemento humano, a possibilidade de, da noite para o dia, um desconhecido se tornar famoso por sua arte, superando suas limitações.
Danny Rose não acredita plenamente na qualidade dos números de seus agenciados, isso é o que menos importa, ele genuinamente criou um vínculo de amizade com eles. Ao vender seus trabalhos, ele enaltece o caráter e a bondade deles, uma espécie de carta de amor de Woody para o produtor que apostou financeiramente em seu trabalho, quando era apenas um tímido jovem comediante desconhecido: Jack Rollins. O próprio conceito de celebração da gentileza, em uma área tão contaminada pelo egocentrismo e pelo jogo sujo, já engrandece a temática do filme.
E, claro, há o elemento do humor, em dose generosa. Em um dos raros finais felizes nas obras do diretor, sem qualquer insinuação de ambiguidade, Allen eleva o protagonista a um patamar de lenda, um personagem mitológico que servirá de inspiração para os profissionais que virão.
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