Entrevistas

Entrevista com Sean Hepburn Ferrer, filho de Audrey Hepburn

Audrey Hepburn é um dos nomes mais respeitados na história do cinema, uma atriz que se envolvia com os problemas sociais, muito antes disso se tornar uma calculada ferramenta de autopromoção, ela era genuinamente interessada em legar para as gerações posteriores uma realidade mais justa.

E, em mais uma entrevista exclusiva para o “Devo Tudo ao Cinema”, conversei por um par de horas no Skype com o filho dela, Sean Hepburn Ferrer, que, gentilmente, aproximou ainda mais sua mãe dos cinéfilos brasileiros.

Ele, num gesto de extrema simpatia, fez questão de enviar esta foto. Thanks, Sean!

O – A sua mãe é um ícone de feminilidade e liberdade, um símbolo de uma época mais elegante no mundo, mas, como um apaixonado pelo cinema, desde a infância, a sua mãe é um ícone de alta competência enquanto atriz. Ela fazia parecer tão fácil, e, como Fred Astaire ensinou com sua dança, isso é o elemento mais difícil. Como ela se sentia atuando? Ela era confiante, enquanto atriz?

S – Não, ela não era confiante, na realidade, ela não se reconhecia como uma atriz, por isso que ela tratava todos com muita gentileza nos sets de filmagem. Ela era sempre pontual, não tinha aqueles rompantes típicos de estrelismo.

Ela era treinada como dançarina, então ela sabia tudo sobre trabalho duro. E ela não podia ser bailarina, ela era muito alta, para o perfil das dançarinas de sua época, até pelo ponto de vista do desenvolvimento muscular, então ela teve que escolher outra carreira. Após a guerra, ela e sua família não tinham nada, mas juntaram o que tinham para se mudarem para Londres, e a vida a levou a seguir adiante.

Mas há um frescor em sua atuação. Ela não se via exatamente como ela era, o que, de certa forma, era um precursor do método de atuação de Stanislavski, ela realizava algumas porções disso, como pesquisar o personagem a ponto de torná-lo real, mas fazia isso de uma forma natural.

Quando ela se preparou para “Um Clarão nas Trevas”, ela passou seis semanas em um instituto para cegos, para entender como eles se comportavam, como se moviam, seus hábitos. Quando ela se preparou para “Uma Cruz à Beira do Abismo”, ela passou um tempo em um convento, para realmente entender como era a rotina.

Quando se preparou para “Minha Bela Dama”, ainda que ela tivesse controle pleno da linguagem, do sotaque britânico, cockney, ela achou importante se preparar, como para tudo, da mesma forma como para seu trabalho como embaixadora do Unicef, o que também envolvia uma performance.

Se você perguntar, todos irão dizer que ela era muito bem preparada para a função, tanto quanto qualquer outro embaixador. Ela já havia estudado tudo que precisava sobre o estado das crianças na África, já para as entrevistas, antes mesmo de visitar o local.

Ela estudava muito, para tudo, uma compensação talvez, já que ela se sentia mal por não ter podido, por causa da guerra, completar uma educação formal. Ela não tinha isso, então ela lia muito, durante toda sua vida, o que a tornou muito alerta em vários assuntos.

Hoje em dia, com a internet, tudo é muito mais acessível para nós, e descobrimos que muitas pessoas importantes, através da História, sofriam de dislexia, não acabaram o ensino formal. Muitos dos jovens que fazem milhões no Vale do Silício não terminaram a faculdade.

Mas ela, em sua época, era vítima de um preconceito, e sofria com isso. E isso a motivou a continuar exercitando, os músculos e o conhecimento, o que, em suma, é do que a vida é feita, o que nos faz evoluir e não ficar entediados.

O – Citei Astaire anteriormente, então falemos de “Cinderela em Paris”. Ela começou como dançarina, então, acredito que este elemento no roteiro foi uma grande motivação para ela. Como ela se sentia sendo parceira de Astaire?

S – Na época, ela tinha poder em Hollywood, a estrela de Astaire estava em declínio, e, mesmo sendo muito mais velho que ela, exatamente porque ela o admirava por tantos anos, minha mãe pediu para que ele fosse contratado para o filme. O papel dele é baseado em Richard Avedon, com quem ela também trabalhou no início.

Ele era um fotógrafo jovem, na época, duas crianças batalhando suas carreiras, e, depois ele ficou famoso, e eles continuaram amigos pela vida toda. Ela estava muito empolgada, e, para mim, é um filme que me dá muita alegria em assistir várias vezes, porque é perceptível a inspiração, o resgate emocional, que a ajudou a atravessar a guerra, durante a época em que achou que havia perdido seu pai, e ela realmente o perdeu, em essência, mesmo tendo encontrado ele novamente após a guerra.

Ele era emocionalmente incapaz de ter a relação que ela desejava. Então, para ela, voltar e poder fazer esse trabalho com Astaire, sendo capaz de mostrar seu talento e conhecimento, foi maravilhoso.

O – O meu filme favorito dela, aquele que considero seu melhor momento como atriz, é “Uma Cruz à Beira do Abismo”, de Fred Zinnemann. Você se recorda de conversas com ela sobre o filme? Qual sua opinião sobre ele?

S – A minha babá me contava uma história que vou revelar a você. Quando entramos na sessão do filme, as luzes já tinham se apagado, e, ao sentarmos, minha babá, que era uma senhora italiana, muito religiosa, fez uma pequena reverência e fez o sinal da cruz. Então, só de caminhar pela sala de cinema, aquele ritual, ela imaginou que estava numa igreja e que ela tinha que se comportar daquela forma. E Fred disse, após a sessão, que, de tudo que havia escutado sobre o filme, a reação da minha babá havia sido o melhor elogio.

Hitchcock dizia: “eu te assusto, mas não a ponto de fazer você desviar os olhos da tela, senão, significa que eu perdi você, e a mágica se quebra”. É interessante o contexto em que ela fez o filme, porque éramos uma família fervorosamente não religiosa, ela, por ter tido uma mãe que era cientista cristã, fez com que ela não quisesse nenhuma espécie de religião em sua vida.

E ela criou os filhos dessa forma, deixando que a decisão fosse nossa, quando crescêssemos, após estudarmos. Mas ela era uma grande crente do milagre da natureza. Ela costumava dizer que, para ela, o nascimento de um bebê, a flor que nasce de uma árvore, já eram milagres suficientes na vida, ela não precisava de mais nada, não precisava de qualquer ideologia.

O – Eu percebo que a importância de sua mãe, especialmente na juventude de hoje, a relevância dela, não é fabricada e alimentada pela indústria, como ocorre, por exemplo, com James Dean. Os jovens são atraídos a ela de forma instintiva, eles se importam por respeito verdadeiro, não apenas pela satisfação de um status social/cool. Eles compram as camisetas com o rosto dela estampado, mas, também, assistem aos filmes e leem livros sobre ela. Como você define esse impacto dela na juventude de hoje?

S – É verdade, tivemos essa confirmação, que mais de 50% dos fãs dela hoje são adolescentes, meninos e meninas. A partir dos dez, onze anos, até jovens que estão na faculdade. Sei disso a partir de várias fontes, por exemplo, de estudantes que tem ela como tema de algum trabalho escolar.

Acompanho e ajudo essas crianças, que vem a mim através da Unicef, algo em torno de 2 a 3 por mês. Consigo a permissão dos pais ou dos professores, e converso com elas por Skype, leio para elas, é bastante trabalho, mas faz parte do cuidado com o legado da minha mãe. Mas eu adoraria estar aqui falando que eu planejei isso, que fui o empresário desse legado por vários anos, ainda que não seja mais exclusivo, já que meu irmão agora está envolvido.

Você disse muito bem, “instintivo” é a palavra certa para definir. Eles possuem essa visão caleidoscópica dela. Alguns a conhecem como uma estrela de cinema, outros como uma fashionista, outros a conhecem pelos óculos, alguns pelos seus filmes, ou a conhecem como uma senhora que foi para a África e ajudou crianças, e, juntando tudo, eles formam uma visão completa.

Mas é como quando se aprende uma língua nova, você vai aos poucos, você começa falando algumas palavras em português, depois a substituir as palavras espanholas e italianas pelas portuguesas, e daí em diante.

Eu acredito que tem algo relacionado à legitimidade que ela transmitia em seus trabalhos, algo de extremamente genuíno sobre ela, que esses jovens não encontram hoje em um mundo onde o Michael Jackson pode ser o maior artista pop do século, e, no dia seguinte, ele se torna um criminoso.

Ela teve pontos altos e baixos, mas a história dela é como um conto de fadas, uma garotinha que não tinha nada, perdeu os pais, foi para a guerra com fome, e teve que lutar para sair de lá, até se tornar uma estrela de cinema. No sentido real, é uma história simples e pura, em que ela terminou a vida fazendo o bem. É o tipo de história que escutamos quando somos crianças.

Todos esses elementos reunidos fazem com que as crianças sintam que ela seja um porto seguro, um bom exemplo de alguém para se inspirar, tentar emular. Ainda que, como sempre saliento, todos sejam indivíduos especiais, houve apenas uma como ela, há apenas um como você, é muito confortante saber que esse tipo de história pode acontecer. Ela foi a mulher mais fotografada, mas olhe para o momento histórico em que ela foi fotografada, olhe o contexto.

Hoje é fácil, com IPhones e as redes sociais, mas, naquela época, logo após a guerra, tirar fotografias era caro, um processo extremamente mais complexo do que é hoje.

O – E, hoje, qualquer um é fotografado, basta participar de um medíocre reality show, que a pessoa se torna uma celebridade. Aqueles eram tempos mais elegantes.

S – Exatamente.

O – Você tem alguma história interessante dos bastidores de alguma filmagem dela?

S – Alguns eu visitei, como nas filmagens de “Robin e Marian”, eu trabalhei com ela na produção de “Muito Riso e Muita Alegria” (1981). Peter (Bogdanovich) escreveu um pequeno papel pra mim, achou que eu era engraçado.

Eu a vi em várias situações, em discursos públicos, então eu tenho uma visão abrangente dela. Talvez não tenha uma história engraçada para contar, mas uma confirmação do fato de que todas as performances dela, todos os discursos que fez, foram muito importantes e muito difíceis para ela.

Eu a vi em vários eventos, tremendo como vara verde, antes de ir ao palco. Mas, de certa forma, o medo do palco é o que torna você bom, como estávamos falando momentos atrás. Ela nunca realmente se sentia confortável com o público, ainda que ela fosse muito boa em entrevistas, ou talvez nem tanto, mas sempre que ela tinha que ir a público fazer discursos, ela tremia.

O – Muitos atores, no que me incluo, são muito introvertidos fora dos palcos.

S – É verdade.

O – Como sua mãe lidava com a própria criatividade? Ela apreciava todas as etapas do processo de filmagem?

S – Eu acho que ela se esforçava muito para encontrar o material certo. Meu pai (o ator Mel Ferrer) teve um papel muito importante nisso, ele era um homem difícil, mas muito educado em Hollywood, um homem que lia muito. Claro que ele costumava fazer os vilões, fora ser um homem difícil, complicado, esse é o motivo dele não ter cultivado um grande legado, não é tão lembrado.

O – Adoro seu pai em “Scaramouche”.

S – Sim, lindo trabalho. Mas, voltando à sua pergunta, ela fazia todas as etapas, a publicidade que os estúdios requeriam, e então ela botava um ponto final, não falávamos sobre isso em casa, não tínhamos uma sala de projeção, tínhamos cópias dos filmes dela em 16 mm, que foi a forma com que eu descobri os filmes dela, no sótão de casa, no verão, com as janelas abertas, uma toalha amarrada a um dos feixes, e um velho projetor, aquele maravilhoso som característico.

Foi como eu assisti a todos os filmes dela, na minha própria sala de projeção improvisada, feita a mão. Tínhamos uma pequena TV, em preto e branco, no quarto de brincar. Ela não trazia Hollywood pra casa, ela não cultuava isso, ela era uma pessoa normal, ela adorava ir ao mercado, e, quando eu não podia mais ficar com ela nas filmagens, ela desistiu da carreira de atriz para ser mãe em tempo integral. Ela era assim.

O – É impossível não abordarmos “Bonequinha de Luxo”, e, acredito, já deve estar cansado de falar sobre ele. A sociedade teve seus valores mudados, o mundo se tornou mais sombrio e cruel, mas o trabalho de sua mãe no filme continua tocante como sempre. Quando escutamos a trilha sonora de Henry Mancini, somos transportados para aquele mundo de sonhos. Você pode falar um pouco sobre a importância do filme no mundo moderno?

S – Eu acho que o filme é, sem dúvida, o monstro sagrado dela. E acho que é uma combinação de fatores: um bom timing, as pessoas certas, um bom roteiro e o encaminhamento do roteiro na direção certa, e o fato de que ele tinha um inato senso de estilo, em que ela colocava, naquela época, Givenchy, que era apenas um designer em ascensão, não era como Armani, que colocaria um time de pessoas para fazer a roupa dela para o filme.

Naquela época, ela tirava roupas comuns do mostruário de uma loja, tentando compor o que pensava melhor para a personagem, e, quase sempre, acabaria optando pelo preto básico. Então, acho que há o aspecto fashion, uma história clássica, atuações maravilhosas, uma música fantástica, que todos tiveram que lutar para manter no filme, pois, como você sabe, os executivos tentaram tirar a trilha, eles odiavam a canção (“Moon River”), é parte do processo.

Chamar de colaboração pode ser bobo, mas, de fato, é uma colaboração, pelo ponto de vista do cinema de guerrilha, uma luta para manter os elementos dentro do projeto, e garantir que ele seja realizado.

E se ela não tivesse o bom gosto e a educação, ela teria os deixado fazer coisas com o filme que não estavam certas. É interessante perceber que o filme foi composto, praticamente, como uma homenagem a Marilyn Monroe. É, essencialmente, sobre a história de Norma Jean.

E se você olhar para os personagens, especialmente quando Buddy Ebsen aparece, como o marido, aquela parte toda é, realmente, a vida de Norma Jean, até o nome real é muito similar. É interessante que eles decidiram que essa homenagem seria bem evidente, bem óbvia, e, em minha opinião, acho difícil que a Marilyn conseguisse interpretar, tivesse o estofo para vários daqueles momentos, digo, não era necessário uma Elizabeth Taylor, uma atriz séria, mas acho que Marilyn teria sido muito light, não atingiria as notas necessárias para contar essa história.

O –Acredito que a música tenha sido um fator importante na mente criativa de sua mãe. Qual tipo de música ela escutava em casa?

S – Nos últimos anos, escutávamos a trilha de “A Casa da Rússia” (composta por Jerry Goldsmith, um filme com Sean Connery e Michelle Pfeiffer), eu dei a ela várias trilhas sonoras, como “A Missão” (composta por Ennio Morricone, um filme com Robert De Niro).

Ela adorava trilhas sonoras de filmes e, no início dos anos 70, ela escutava muito Burt Bacharach, The Carpenters, ela amava música clássica e era uma grande fã de Bach. Ela gostava também de Vivaldi e Chopin, claro. E éramos muito próximos de Arthur Rubinstein, que considero até hoje, o melhor pianista daquela era.

Um gênio, à sua própria maneira, um gênio no melhor sentido da palavra. Um gênio que viveu uma boa vida e colocou dois filhos saudáveis no mundo, e era uma pessoa maravilhosa de se conviver. E ele era muito parecido com minha mãe, sua maior preocupação era com os ensaios, treinar, estudar. Ele adorava chocolates suíços, então ele treinava e os comia, enquanto conversávamos.

Eu devia ter uns 10, 12 anos. Gostava muito dele como pessoa, então, pra mim, até hoje, te digo que tenho poucas coleções musicais em casa, mas, uma delas, é a coleção completa das obras de Rubinstein.

Escutar ele me conduz de volta a algo real, e não falo sobre sentar num salão de teatro, falo sobre sentar na sala de estar com o próprio Rubinstein, vestido com um velho paletó de tweed, contando divertidas histórias. Ele era muito caloroso, uma pessoa adorável. Eu valorizo carinhosamente esses momentos.

O –Como sua mãe se sentia com o reconhecimento pelo trabalho? Como ela lidava com seus admiradores? Gostava do assédio, de ser abordada?

S – Ela sempre foi muito humilde e se doava, acreditava que um filme era o resultado de uma corrente de eventos, como ela gostava de se referir, assim como em seu trabalho com a Unicef, que fornecia um resultado valoroso. Se fosse fraco, o resultado não seria interessante.

Então ela não pensava muito sobre sua imagem. Tem uma ótima história, de quando ela estava começando em Hollywood, por volta de 1953, 1954, teve um jantar do sindicato dos atores, e colocaram minha mãe sentada ao lado de Marlon Brando. Eles se cumprimentaram, mas ele não falou mais com ela durante todo o evento. E ela sempre pensou que ele não tinha gostado dela, que ele não a tinha achado interessante o suficiente pra trocar umas palavras.

E, anos mais tarde, ela manteve o mesmo agente, depois de ter estado com o homem que era o fundador do Universal Studios, um pequeno agente de Hollywood, que trabalhava com grandes estrelas, seu nome era Kurt Frings, ele trabalhou com Elizabeth Taylor, com os Beatles, e mais algumas pessoas, poucas, 6 a 8 eram suficiente pra ele, já garantiam a ele bastante dinheiro.

E ele estava vivendo com uma mulher, com duas crianças, Miko e Maya, com quem cresci junto. Na Suíça, após voltarmos para casa, acho que Marie (mulher de Kurt) e Marlon tiveram uma conversa, E, pelo correio, veio essa carta de Marlon, que dizia: “Eu só gostaria que você soubesse que eu também me lembro daquele evento, e que eu não conseguia falar com você, porque eu estava completamente absorto, admirado com sua beleza”.

E minha mãe ficou muito emocionada com esse gesto. Isso ocorreu, talvez, uma semana antes de seu falecimento, foi um maravilhoso fechamento para algo que ela guardava há muito tempo.

O – Linda história, Sean. Como é para você ver os filmes dela hoje? Quão difícil é separar a mãe da atriz nessa experiência?

S – Sim e não, quero dizer, algumas pessoas falecem e deixam para seus filhos um restaurante, uma loja de sapatos, um hotel, e a cada vez que o filho passa por aquela porta giratória do hotel, ele enxerga seu pai, esse tipo de coisa.

Eu aprendi que posso caminhar por qualquer local do mundo, que haverá uma foto da minha mãe, e tenho certeza que também é assim no Brasil.

O – Sim, no meu quarto, por exemplo, tem uma foto dela, que estou vendo nesse momento.

S – (risos) Mas esse é um caso especial, você é da área de cinema. Posso entrar num quarto de hotel no Japão e, assistindo CNN, lá está ela, falando.

Eu me acostumei com isso. É algo normal. Só se torna mais difícil quando assisto a “Além da Eternidade” (filme dirigido por Steven Spielberg, o último trabalho de Audrey). Não dedico tempo a assistir “Amor Entre Ladrões” (1987) e “A Herdeira” (1979), mas “Além da Eternidade” é um filme lindo, porém, quando a vejo nele, aquela é a mulher que eu perdi, a sua aparência, a voz, aquela mulher que faleceu nos meus braços em 20 de Janeiro de 1993.

Isso dificulta para eu assistir, mas é totalmente aceitável assistir aos seus primeiros trabalhos.

O – Os meus filmes favoritos dela são, como já disse, “Uma Cruz à Beira do Abismo”, “Sabrina”, “Charada” e “A Princesa e o Plebeu”. Quais são os seus filmes favoritos dela?

S – “Cinderela em Paris” é importante pelo contexto. Tenho muito respeito por “Uma Cruz à Beira do Abismo”, porque ela escolheu um papel que a levou para outro patamar, um desafio como atriz séria, sem o suporte de sua aparência, de seu corpo, no sentido de transmitir emoção, ela tinha apenas uma pequena parte de seu rosto à mostra.

Eu sou um apaixonado por “Amor na Tarde”, porque o diretor, Billy Wilder, era estudante de Lubitsch, e o filme tem aquele toque do diretor, que eu amo. Maria Cooper é uma amiga, e Gary Cooper era um homem extraordinário. Assisti muito a “A Princesa e o Plebeu”, e, obviamente, “Bonequinha de Luxo” é um filme vital. Um envelheceu lindamente, o outro nem tanto, mas ainda é importante, como quando se assiste a “O Rei e Eu”, por exemplo.

Talvez eu seja muito criterioso ao julgar, eu estive envolvido na restauração de “Minha Bela Dama”, e fiz uma forte campanha para que fosse inserida a gravação de sua voz cantando no filme. Tentei muito, mas não foi possível, porque, às vezes, ela não atingia a nota de forma exata.

Hoje, você assiste a “Os Miseráveis” e não pensa duas vezes. Ela era tão boa quanto qualquer um dos atores desse filme, pode confiar em mim.

O – Sean, eu te agradeço demais a gentileza. Você poderia deixar uma mensagem especial para meus leitores, os cinéfilos brasileiros que amam o legado artístico de sua mãe?

S – Eu gostaria de agradecer a todos que mantém esse carinho por ela, porque, de verdade, se ela tivesse mais cinco minutos nesse planeta, ela provavelmente utilizaria tentando fazer algum bem.

A situação no mundo está ficando mais difícil, com as crises econômicas que vivemos. Esse carinho das pessoas está nos ajudando para que continuemos contando a história dela, e, essa história, basicamente, é o desejo desesperado de que, algum dia, as vidas das crianças valham o mesmo, não importando onde essas crianças tenham nascido.

Todos nós sabemos hoje, a pesquisa já foi feita, que tudo se resume a direitos pessoais, em alguns países funciona, em outros não, alguns países onde a economia é estável, em outros não.

É o que se deve fazer para proteger o que é seu, e, claro, antes do direito pessoal, e de propriedade, estão os direitos humanos pessoais, isso estava na essência do que ela acreditava, então, o mais lindo é que esse carinho das pessoas tem tornado mais fácil para nós continuarmos a campanha pelas coisas em que ela acreditava.

Isso é, de verdade, o mais importante.

O – Esta é a grande mensagem por trás do legado artístico dela.

S – Exatamente, Caruso.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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