É senso comum eleger esta obra como a melhor da carreira cinematográfica de Elvis, o próprio afirmava que era o seu trabalho favorito, o resultado de uma soma de fatores: a direção competente de Michael Curtiz, a impecável fotografia em preto e branco de Russell Harlan, um protagonista com conflitos mais complexos, coadjuvantes de alta qualidade, uma trilha sonora no nível dos melhores trabalhos do cantor, porém, existe um elemento que eu considero o mais importante nesta equação, sintomático da confiança que o estúdio depositou no projeto.
Pela primeira vez em sua filmografia, o roteiro seria adaptado de um livro, “A Stone for Danny Fisher”, escrito por Harold Robbins. A despeito de algumas alterações, como a transformação do boxeador em um cantor, a trama segue com considerável fidelidade os temas principais.
Balada Sangrenta (King Creole – 1958)
Eu consigo imaginar a intensa alegria do cantor, em seus primeiros passos nesta nova mídia, ao saber que estava contratado para um papel que havia sido pensado inicialmente para seu ídolo James Dean.
O produtor Hal Wallis estava disposto a desafiar qualquer pré-julgamento debochado da parcela do público que ainda se mostrava reticente com o artista, então fez questão de preparar o melhor cenário possível, colocando a direção nas respeitáveis mãos de Curtiz, de “A Canção da Vitória”, “Casablanca” e tantos outros filmes celebrados pela crítica e abraçados pelo público. E, numa atitude injusta, mas, comum até hoje com artistas populares, a crítica norte-americana se viu tendo o aval para, enfim, engolir o preconceito e aplaudir sem medo a atuação competente do jovem.
Danny (Presley) está insatisfeito com a situação miserável de sua família. Ele acredita que o pai (Dean Jagger), um conformista incapaz de se manter em um emprego, é o culpado pelos problemas financeiros. Um homem iletrado que somente enxergará o filho como alguém respeitável no dia de sua formatura. O jovem sente mágoa por entender que não será motivo de orgulho por suas atitudes, mas sim, por um diploma emoldurado na parede. Em uma das cenas mais interessantes, uma discussão entre pai e filho, o jovem dispara: “Você vai pra escola, eu vou sair e ganhar uns trocados.”
Ele persegue seu sonho, sua real vocação artística, trabalhando em qualquer emprego que o mantenha no caminho da inspiração. E, num destes serviços, ele acaba atraindo a atenção de um gângster (Walter Matthau) e de sua protegida (Carolyn Jones), a sensual antítese de sua comportada namorada (Dolores Hart). A revolta e a necessidade financeira fazem com que ele se sinta atraído pela proposta sombria do homem, ativando um conflito interno que conduz a um emocionante desfecho, ao som da balada “As Long As I Have You”, composta por Fred Wise e Ben Weisman. “Aceite o amor que eu ofereço, e, desta forma, terei tudo, enquanto eu tiver você”. A canção é apresentada como a declaração de amor ao pai, que, pela primeira vez, com inegável orgulho, prestigia o trabalho do filho.
A poderosa trilha sonora inclui versões viscerais do puro rock and roll em “Hard Headed Woman” (Claude Demetrius) e “King Creole” (Jerry Leiber/Mike Stoller), além do blues de “New Orleans” (Tepper/Bennett) e “Crawfish” (Wise/Weisman), mas, sem dúvida, o destaque vai para “Trouble” (Leiber/Stoller), que alguns críticos musicais consideram uma das influências para o futuro punk rock, com Elvis rosnando: “Se você está procurando encrenca, olhe bem na minha cara.”
Não foi coincidência esta canção ser escolhida como a abertura do especial televisivo, realizado em 1968, simbolizando sua relevância musical e sua atitude rebelde numa sociedade mais cínica, mostrando que ele ainda era tão perigoso quanto no início de sua carreira.
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