Woody Allen – Um Documentário (Woody Allen: A Documentary – 2012)
Como celebrar uma carreira tão longeva, caracterizada pela pluralidade de talentos, de sua origem como comediante stand-up até se estabelecer como cineasta, quando o protagonista sempre se mostrou tão consciente da existência desse véu de falsidade que veste os elogios e premiações?
O homem que, ainda em início de carreira, ousou negar o abraço nas expectativas de seu público, entregando o sisudo “Interiores”, quando todos esperavam mais uma comédia leve. O destemido que fez muita gente vestir a carapuça em “Memórias”, uma proposta temática arriscada que fez vários críticos escreverem que aquele seria seu último projeto. E, recentemente, demonstrando uma fascinante lucidez, desconstruiu o senso nostálgico que embeleza tudo o que toca, em “Meia-Noite em Paris”.
Esse artista corajoso que ignora anualmente o beija-pé dos produtores, recusando os holofotes do Oscar para poder tocar jazz com seus amigos. O rebelde elegante que, sem se dobrar a nenhum interesse dos engravatados, tem todos os grandes atores e atrizes, medalhões de várias gerações, aguardando com ansiedade a chance de receberem suas tímidas instruções nos sets de filmagem.
Woody se tornou uma grife, sendo disputado por nações que querem pagar para ele ambientar seus personagens em seus territórios. São impressionantes cinco décadas de raríssima constância qualitativa, trilhando um caminho alternativo pavimentado pelos sonhos do garoto de outrora, Allan Stewart Konigsberg, que, inicialmente, achava o máximo ganhar uns trocados escrevendo tiradas de humor para os veículos da região. Como celebrar esse work in progress de intensa criatividade?
O diretor Robert B. Weide acerta ao iniciar focando na paixão pela escrita, como Allen diz: “a grande vida”, o estágio em que tudo é possível, o momento mágico em que o escritor, dentro do quarto mais simplório, sem uma moeda no bolso, pode acreditar estar materializando as obras que irão definir o rumo da arte para as novas gerações. A constatação bem-humorada de que, na prática, o artista precisa entrar no jogo, muitas das vezes, sujo, injusto e ingrato, da burocracia que envolve a realização de um filme, dá o tom do documentário, que coerentemente evita a mitificação e responde minha pergunta inicial: escolhendo elaborar uma celebração, não apenas da carreira de um cineasta que se adapta como “Zelig”, mas, especialmente, da fantástica resiliência que, em longo prazo, forja os grandes nomes da cultura mundial.
Ele traça um panorama da sociedade onde o garoto foi criado, com depoimentos da mãe dele, que se parece muito com a imagem projetada nos céus da cidade no seu curta inserido em “Contos de Nova York”. O público percebe que as experiências traumatizantes de sua infância, a descoberta da finitude humana e a postura materna excessivamente severa, ajudaram a moldar sua persona pública, a figura frágil e desajeitada que estamos acostumados a ver na tela grande, porém, o olhar sereno de Allen ao nos conduzir por um passeio pelos arredores da casa de seus pais, resgatando a importância do cinema de rua como o templo de sua religião, evidencia a inteligência emocional de um homem que soube criar e administrar um tipo que o ajudou a vencer a introversão.
Com medo de ser reconhecido na escola como o autor das tiradas cômicas dos jornais, e, anos depois, apavorado por subir nos palcos, ele construiu sua nova identidade. Ele interpretou muito bem seu papel durante todos esses anos, simbolizado pela utilização dos óculos, ainda que, na época, não tivesse problema de visão.
Quem espera uma historiografia artística detalhada, abordando o processo de criação, pode sair da sessão decepcionado. O próprio homenageado não costuma valorizar suas obras, ele, numa atitude inteligente, não se leva a sério, o que agrega ainda mais valor ao seu legado. Várias pérolas menores, como “Neblina e Sombras” e “A Outra”, são citadas brevemente. Da mesma forma, aqueles abutres que esperam revelações bombásticas sobre o polêmico relacionamento com Soon-Yi, terão que se satisfazer mais uma vez com a tremenda elegância de Allen, que, como sempre, prefere utilizar o tempo para expressar sua admiração pelo talento de Mia Farrow.
É encantadora a forma carinhosa como Diane Keaton se refere à sua parceria com o cineasta, uma visão madura de uma mulher psicologicamente equilibrada e profissionalmente realizada, consciente de que deve sua carreira ao baixinho e franzino ruivo que conheceu na peça: “Sonhos de Um Sedutor”, no final da década de sessenta.
O documentário ganha ainda mais relevância ao ressaltar a importância de profissionais como Charles H. Joffe e Jack Rollins, produtores que apostaram no talento de um jovem promissor, quando nem o próprio rapaz acreditava que conseguiria. Uma época de valores mais nobres, onde a mão era estendida para a competência, não para o imediatismo exótico de bizarrices que nem “Broadway Danny Rose” se interessaria em agenciar.
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