X-Men – Dias de Um Futuro Esquecido (X-Men – Days of Future Past – 2014)
O conceito de suspensão da descrença é essencial nas
adaptações de quadrinhos de super-heróis. Acreditar, por um par de horas, que
mutantes realizam feitos fantásticos, não é nem um pouco difícil. A tecnologia
está cada vez mais facilitando nesse sentido. O único problema é quando algo
distrai nossa atenção, como erros de continuidade ou incoerência narrativa. E
esse filme abusa de ambos. Ele faz parte de uma saga cinematográfica, mas
diferente dos heróis mais organizados do projeto “Vingadores”, o roteiro comete
o erro de subestimar a inteligência e a memória do espectador, incitando-o a
desconsiderar fatos ocorridos em filmes anteriores, além de simplesmente
ignorar tramas completas. Essa atitude empresarial acaba por confundir o
público fiel, que perde mais tempo tentando enxergar as soluções e explicações
que nunca são satisfatórias, do que investindo o emocional e o racional na
trama que é apresentada.
O que nos conecta ao roteiro é o sentimento pelos personagens, ainda que a
diversão barulhenta empolgue e faça parte da experiência. Quando não há
coerência nas atitudes de um personagem importante, sem uma explicação bem
elaborada, torna-se apenas uma boa oportunidade jogada fora. Por exemplo, no
terceiro “X-Men”, o Professor Xavier (Patrick Stewart) morre desintegrado e é
insinuado que sua mente entra no corpo de outra pessoa. Mesmo que essa pessoa
fosse um irmão gêmeo, um sósia, ele não compartilharia a mesma paralisia nas
pernas, correto? Já nesse filme, que se passa no futuro, lá está Patrick
Stewart com as pernas paralisadas. E nenhuma menção é feita sobre sua morte.
Parece besteira, mas se a ideia é conectar todos os filmes, como selecionar os
elementos que devem ser considerados e aqueles que temos que fingir que não
vimos? E qual é a garantia que temos de que os acontecimentos que ocorrem nesse
projeto não serão totalmente descartados em um próximo capítulo da franquia?
Com consciência disso, vale a pena gastar o preço alto do ingresso? Perguntas
que se somam às várias que nos intrigam ao longo da trama.
Há uma decisão empresarial que irrita por desrespeitar o material original,
relegando Kitty Pryde (Ellen Page) a uma função tola, somente para mais uma vez
colocar os holofotes sobre Wolverine (Hugh Jackman). A ideia dos clássicos
quadrinhos é plenamente funcional e poderia sofrer ajustes, como na logística
da viagem no tempo, para que sua função na missão não fosse alterada. Com isso,
os produtores optaram por reutilizar um já desgastado Jackman, ao invés de
injetar ar fresco e sangue novo. Por mais carisma que o ator tenha, são tantos
os filmes protagonizados por ele, que já antecipamos todas as one-liners e até
suas reações físicas. Não há na interpretação aquela ironia ácida que Joss
Whedon inseriu em “Astonishing X-Men”, tampouco a brutalidade X-rated de Chris
Claremont em sua fase ambientada em Madripoor. Talvez por esse motivo o filme
ganhe fôlego apenas nas aparições do jovem veloz Mercúrio (Evan Peters), que
protagoniza a melhor cena do filme, com um senso de humor tão eficiente, que
até fingimos ignorar que ele utiliza fones de ouvido bastante modernos para
1975. Aliás, após mais ou menos cinquenta minutos, quando a trama realmente se
foca na década de 70, quase nada funciona. Michael Fassbender fica apagado na
maior parte do tempo, parecendo até estar enfadado. Até as cenas de luta da
Mística (Jennifer Lawrence) tornam-se repetitivas, com suas “camuflagens” sendo
expostas cedo demais, retirando aquele impacto que elas representavam nos
filmes anteriores.
O diretor Bryan Singer se esforça, mas o roteiro não ajuda. Comparado ao filme
anterior, esse é bem apático e truncado, com breves momentos interessantes, mas
no geral, uma excelente chance desperdiçada.
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